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Análise

Dilema entre mostrar e editar a realidade é típico do gênero

ANDRÉ BARCINSKI CRÍTICO DA FOLHA

O cinema documental sempre viveu esse dilema: o que é real e o que é ficção? Quando um cineasta edita uma cena, não está também impondo a "sua" verdade?

Um dos grandes documentaristas do cinema, o norte-americano Robert Flaherty (1884-1951), reencenava sequências inteiras.

Em "Nanook do Norte" (1922), Flaherty pediu aos esquimós que construíssem um iglu sem teto, para facilitar o trabalho da câmera (as condições técnicas dificultavam registros "reais", já que Flaherty usava uma câmera a manivela, uma Akeley, com capacidade reduzida de filme).

Em "O Homem de Aran" (1934), o cineasta pediu aos moradores das isoladas ilhas de Aran, na costa da Irlanda, que reencenassem técnicas de pesca que não usavam havia quase meio século.

Na década de 1920, vários filmes documentais tentaram --com graus diferentes de experimentalismo-- "captar" a vida de cidades, caso de "Berlim, Sinfonia da Metrópole" (1927), de Walter Ruttmann, "São Paulo, Sinfonia da Metrópole" (1929), de Adalberto Kemeny e Rodolfo Lustig, e "O Homem da Câmera" (1929), do russo Dziga Vertov.

Os filmes traziam cenas do cotidiano, mas a montagem e efeitos visuais "organizavam" a realidade de acordo com o gosto e objetivo dos realizadores.

E o que dizer do grande "Cabra Marcado para Morrer" (1984), de Eduardo Coutinho? O filme começou a ser rodado em 1964, como uma obra ficcional inspirada no assassinato do líder camponês João Pedro Teixeira, na Paraíba. Várias pessoas faziam os papéis delas mesmas.

As filmagens foram interrompidas pelo golpe militar e retomadas por Coutinho quase 20 anos depois, mas na forma de um documentário sobre o destino de atores e equipe.

"Cabra" é, portanto, um documentário sobre um filme ficcional, sendo este inspirado em fatos e interpretado pelos personagens reais.

A mistura de fato e ficção em documentários ganhou um capítulo importante há poucos meses, com o lançamento --por enquanto, apenas no exterior-- do poderoso "The Act of Killing", do norte-americano Joshua Oppenheimer.

No filme, ex-participantes de esquadrões da morte indonésios reencenam, em forma de faroeste, musical e comédia, as atrocidades que cometeram após o golpe de 1965, que pôs no poder o ditador Suharto. A fantasia sádica dos carrascos assusta tanto quanto os crimes --reais-- que cometeram.


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