Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Ilustrada

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Crítica - Drama

Manoel de Oliveira celebra o cinema

Aos 104, diretor português lança olhar singelo sobre a morte em 'O Estranho Caso de Angélica'

SÉRGIO ALPENDRE COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O circuito comercial alternativo não dá conta de seguir a produção de Manoel de Oliveira, 104. Nos últimos 20 anos, o cineasta português filmou nada menos do que 19 longas-metragens, sempre com alto nível de excelência.

"O Estranho Caso de Angélica" (2010), seu penúltimo longa, estreia agora em São Paulo, mais de três anos após ter sido exibido no Festival de Cannes.

Ninguém mais filma como Oliveira. Suas marcas autorais são inconfundíveis: os enquadramentos simétricos, a frontalidade em muitas cenas, a câmera que pouco se movimenta, os personagens que surgem inesperadamente da sombra ou de fora do quadro, o humor peculiar, o claro-escuro, a preocupação com o texto.

Em "O Estranho Caso de Angélica", acompanhamos um fotógrafo contratado para retratar uma jovem morta. Numa das poses, a moça lhe sorri. O fotógrafo começa, então, a se comportar de maneira estranha. Anda como um zumbi pela pensão onde mora, inquietando a proprietária e os outros moradores.

Quando olha pela janela de seu quarto, encanta-se com trabalhadores braçais (aqueles que fazem o trabalho "à moda antiga", cantando com as enxadas em mãos). Ele pendura as fotos dos trabalhadores em seu quarto, ao lado das fotos da jovem, numa pequena exposição nostálgica.

Oliveira fala da morte e de seu impacto. E fala também do espírito. A moça se vai, mas retorna nos sonhos do fotógrafo. Morre como pessoa, nasce como imagem (primeiro fotográfica, depois cinematográfica) e faz do fotógrafo uma outra imagem.

O encontro entre essas duas imagens é um rasgo fantástico que só os grandes mestres têm a liberdade e a coragem de explorar, com efeitos especiais que remetem a Georges Méliès. É uma bela homenagem ao cinema.

Oliveira trabalha também com algumas digressões, como a do gato da pensão que espreita um pássaro na gaiola e ouve um latido ameaçador vindo de fora. Esse pequeno drama animal é visto inicialmente como um detalhe dentro de uma cena de diálogo. Quando as pessoas se retiram, a câmera detém-se por alguns segundos nos animais, maravilhando-nos com essa inesperada singeleza.

Em 1991, aqui na Folha, comentando sobre uma exibição de "Tabu", de Júlio Bressane, na extinta TV Manchete, o jornalista Sérgio Augusto encerrou aconselhando o leitor: "Quem não entrar no clima do filme vai trocar de canal. (...) Tente ser um pouco mais inteligente esta noite".

Hoje em dia, o leitor não está acostumado a ser confrontado desse jeito. Então, modificando um pouco o conselho e pensando na lamentável taxa de abandono das salas nos filmes anteriores de Manoel de Oliveira, recomendo ao espectador que seja mais paciente, porque "O Estranho Caso de Angélica" é cinema de verdade.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página