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A história não autorizada de Guimarães Rosa

Filme exibido na Mostra de SP sem permissão das herdeiras mostra a atuação do autor como diplomata na Segunda Guerra

RAQUEL COZER COLUNISTA DA FOLHA

Um João Guimarães Rosa (1908-1967) que ajudou a salvar judeus na Alemanha e foi investigado pelos nazistas na Segunda Guerra, antes de se firmar como escritor, é o centro de "Outro Sertão", longa exibido hoje na Mostra de Cinema de São Paulo.

A faceta menos conhecida do autor de "Grande Sertão: Veredas" (1956) vem à tona com o documentário de estreia de Adriana Jacobsen e Soraia Vilela. O filme, premiado no Festival de Cinema de Brasília, ilustra um viés menos lembrado no debate sobre a autorização para biografias: o de casos envolvendo obras cinematográficas.

A pesquisa para o filme começou em 2003, com o aval das filhas de Rosa. Em 2011, esse braço da família pediu, dizem as diretoras, R$ 60 mil para autorizar a veiculação.

"Fizemos contraproposta de R$ 30 mil ou R$ 40 mil. Fomos então informadas de que queriam R$ 300 mil e, depois, que não queriam mais a veiculação", diz Jacobsen.

Antes da exibição em Brasília, a dupla pediu às herdeiras uma reavaliação da decisão. Receberam um telegrama do advogado informando que as filhas não autorizavam a veiculação por questões de "foro íntimo". As herdeiras negam ter sido contatadas nessa ocasião.

A outra parte da família, representada pelo advogado Eduardo Tess Filho, neto da segunda mulher de Guimarães Rosa, apoiou o projeto.

O filme teve patrocínio da Petrobras e dos bancos BNDES e BDMG, totalizando cerca de R$ 1 milhão. "Considerando os dez anos de trabalho, tivemos um honorário básico de diretor", diz Vilela.

Sem notificação judicial, a dupla manteve as exibições. "Não podemos pôr em circuito comercial sem autorização, mas podemos exibir em festivais", diz Adriana. Depois da Mostra, o filme deve ser apresentado em evento da USP e na Feira do Livro de Porto Alegre, em novembro.

CADERNETAS

A base do documentário são duas cadernetas com anotações de Guimarães Rosa no período em que foi cônsul-adjunto em Hamburgo, na Alemanha, de 1938 a 1942.

Uma cópia delas está na Universidade Federal de Minas Gerais. Foi com a autorização das filhas do autor, dez anos atrás, que as diretoras tiveram acesso ao texto.

Inéditas em livro, as cadernetas estão no centro de uma disputa familiar. Em Hamburgo, o autor se apaixonou por Aracy Moebius de Carvalho (1908-2011), que trabalhava com ele no consulado e se tornaria sua segunda mulher.

Segundo o neto Eduardo Tess Filho, as referências a Aracy nas cadernetas incomodam as filhas do primeiro casamento do escritor.

"Ele ficou menos de dez anos com Lygia e quase 30 com Aracy, mas elas querem apagar isso da história", diz.

O filme tem ainda como fontes cartas, crônicas e documentos inéditos. Quase não aborda a vida pessoal do escritor, embora Aracy não pudesse ficar de fora, já que trabalhou com o então diplomata para conseguir vistos para judeus no Brasil.

Um dos achados da pesquisa foi um dossiê da polícia nazista, a Gestapo, que revela que o escritor foi espionado por alguém próximo.

Segundo um relatório, de 6 de julho de 1940, Guimarães Rosa fez desenhos na margem de um jornal representando a cabeça do Führer e uma forca. Teria comentado que aquela era a forca onde Hitler seria pendurado.

As autoridades alemãs pediram ao embaixador brasileiro em Berlim, Cyro de Freitas Vale, que repreendesse Guimarães Rosa. No diário do dia posterior a esse relatório, o escritor diz: "Vou a Berlim".

Outro documento é uma entrevista à TV alemã, de 1962, nunca veiculada, em que o autor cita a origem germânica de seu sobrenome.

As diretoras querem publicar o material excedente em site. Esperam, antes de outras iniciativas, o aval das herdeiras ou mudanças na lei, em discussão no Congresso e no Supremo Tribunal Federal.


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