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MAC homenageia obra de Walter Zanini

Primeiro diretor do museu, morto no início deste ano, é tema de mostra, debates e livro que será lançado agora

Durante a ditadura, curador ampliou foco da instituição, abrindo espaço para videoarte e performances históricas

SILAS MARTÍ DE SÃO PAULO

De um lado, estava a "produção maciça" de obras de arte tradicionais. Do outro, um "terreno instável", em que a arte passava a ser feita com o corpo, em performances ou ações capazes de transformar o espaço do museu.

Walter Zanini, que dirigiu o Museu de Arte Contemporânea da USP por 15 anos, desde sua fundação em 1963, descreveu assim a encruzilhada em que se encontrava ao criar uma instituição para mostrar a arte do presente.

Morto em janeiro deste ano, aos 87, Zanini foi um dos nomes centrais no cenário das artes visuais no Brasil, construindo uma das primeiras e mais importantes coleções de arte conceitual na América do Sul, além de abrir espaço para novas linguagens, como performance e vídeo.

Uma exposição e uma série de debates que começam hoje no MAC, além de um livro com seus escritos, que será lançado nesta semana, relembram agora a importância de Zanini na construção de um circuito mais sólido para as artes visuais no país.

E também revelam como ele, para além das fronteiras nacionais, era um homem em sintonia com a vanguarda do pensamento estético e museológico de sua época.

Nas correspondências que trocava com diretores de instituições em Paris, onde estudou, e também no resto do mundo, Zanini deixava claro que entendia os anos 1960 como época de transição, em que museus não seriam mais coleções de velhos objetos e virariam plataformas de produção de novos trabalhos.

Ele defendia a ideia de uma instituição "que se integra ao público, deixando de ser um cemitério nobre de antigas civilizações" e perdendo sua "aura sagrada", para se tornar "um instrumento de larga comunicação", caso contrário "desapareceria na sociedade contemporânea".

No fundo, Zanini descrevia um momento dicotômico, opondo o velho museu "templo" a um novo museu que funcionaria como "fórum".

Era o último grito das teorias em debate na Europa e nos Estados Unidos, mas, ao contrário dos países desenvolvidos, Zanini enfrentava um agravante no Brasil --o regime militar que começou em 1964, um ano depois que assumiu a direção do MAC.

Em plena ditadura, ele seguiu adiante com seus planos de criar um "museu do zero", ancorado no que enxergava como "uma extraordinária atmosfera de atualidade".

"Ele era um porta-voz potente desses pensamentos, porque estava inventando um museu", afirma Cristina Freire, que editou o novo livro com os escritos de Zanini, alguns deles revistos pelo autor para o volume, e organizou a mostra no MAC. "Foi uma radicalização total."

NO TETO E NO CHÃO

Um dos momentos mais marcantes dessa tentativa de revolução foi a edição de 1972 da mostra "Jovem Arte Contemporânea", quando Zanini loteou e sorteou os espaços da instituição entre 84 artistas, que passaram duas semanas ocupando o museu, então instalado no terceiro andar do pavilhão da Bienal.

"Essa foi a exposição mais comentada da época. Não tinha paredes, as obras ficavam no chão, no teto", conta Donato Ferrari, artista que participou das mostras de arte experimental naquele ano.

Uma de suas peças, um cubo de papel cheio de balões, foi destruída pelo público numa espécie de "happening", soltando as bexigas que iam estourando pelo museu.

Zanini comentou o caso, exaltando como a "ação estrepitosa revelou comportamentos reprimidos à época".

Na mostra agora no MAC, um filme inédito que registra essas ações será exibido, além de obras que entraram para o acervo do museu pelas mãos do antigo diretor, como peças de videoarte e de nomes então emergentes, como Regina Silveira, Cildo Meireles e Paulo Bruscky.

"Minha geração toda deve respeito a Zanini", diz Bruscky, artista pernambucano que participou enviando obras por correio às primeiras mostras do MAC, estreando no circuito paulistano em 1969. "Além de apoiar os artistas, ele nunca se calou em relação à política da época."

Meireles, que vive até hoje no Rio, também se aproximou de Zanini. "Ele colocava o artista à vontade, e isso é uma coisa rara", lembra o artista. "Naquela época, Rio e São Paulo eram universos à parte, e um dos métodos dele foi tentar quebrar essa barreira."

No caso, não só integrando melhor o cenário nacional, mas abrindo espaço para brasileiros no circuito global.

Regina Silveira descreve esse momento como "janela aberta para o exterior" e lembra como Zanini comprou os primeiros equipamentos de vídeo para o museu e criou um laboratório de experimentação para a nova técnica.

"Ele mantinha o museu sempre aberto aos artistas", diz Silveira. "Aquilo tudo era um pouco nosso."


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