Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria
Tarantela no pé
Balé da Cidade apresenta coreografia pop com inspiração nas músicas e tradições do sul da Itália
Serenatas napolitanas, tarantelas e outras músicas tradicionais italianas ressoam na sede do Balé da Cidade, no bairro do Bexiga.
É mais do que um dos chavões musicais associados ao bairro paulistano, famoso por manter as tradições dos imigrantes italianos que o povoaram.
A trilha sonora é a inspiração da nova coreografia que a companhia de dança quarentona estreará sábado, no Theatro Municipal.
"Cantata", do coreógrafo italiano Mauro Bigonzetti, é um balé contemporâneo com músicas do sul da Itália que entra em cena no dia do aniversário de São Paulo --25 de janeiro, sábado.
O balé é pop. Apesar de a movimentação ser totalmente baseada na dança pós-moderna --trabalho de chão, pés descalços, duos e trios, saltos--, as referências gestuais e culturais ressoam em qualquer plateia, erudita ou não.
Estão lá as mulheres fofocando, a "mamma" dramática, o erotismo suado e a religiosidade latente. Do sexo oral ao sinal da cruz, do feirante à atriz do neorrealismo italiano, há sempre algo para o público se identificar.
A identificação do público paulista com a cultura italiana também conta. A música, canções tradicionais do sul da Itália, têm composição e arranjos do grupo italiano Assurd.
No espetáculo, a trilha sonora é gravada, conta Iracity Cardoso, diretora artística da companhia de dança, que neste início de ano finaliza as comemorações dos seus 45 anos de existência.
Em 2014, o Balé da Cidade pretende apresentar nove coreografias, seis delas inéditas. Uma será criada também por Bigonzetti, com estreia prevista para agosto. "Cantata" foi montada originalmente pelo coreógrafo para o Ballet Gulbenkian, de Portugal.
Bigonzetti já criou outra obra para o Balé da Cidade, há mais de uma década, "Zona-Minada" (2003). "Mas hoje estamos com um elenco renovado. É uma oportunidade de ele conhecer e se inspirar com os intérpretes", diz Iracity.
Além disso, a diretora da companhia afirma que "Cantata" é uma coreografia extremamente agradável para os bailarinos. "E acho que para o público também. É muito forte e muito alegre", diz.
'SOL, SUOR E SANGUE'
O clima desejado por Bigonzetti é puro Mediterrâneo. "Defino esse balé com três S': sol, suor e sangue", diz.
Sobra calor e luz solar. Montada sem nenhum cenário, é a iluminação que emoldura a coreografia.
As roupas são sensuais e surradas. "O figurino é como o dos filmes do [Roberto] Rosselini. Podemos falar que é um balé neorrealista", diz Bigonzetti, referindo-se à escola mais famosa do cinema italiano do pós-guerra.
Como nos filmes dessa época, a presença feminina é marcante. "Estou falando de uma cultura matriarcal. A mulher do sul da Itália é a [atriz] Anna Magnani, é a protagonista forte e dramática", conta o coreógrafo.
No fim, tudo acaba em festa. A última dança de "Cantata" é baseada na "pizzica", música típica da região de Puglia, na Itália.
"E uma tradição dessa região, até hoje, os músicos tocarem por horas e as pessoas bailarem a noite toda, sem parar. É uma espécie de ritual. As pessoas só param quando o corpo está destruído --um pouco como é no mundo do balé", diz Bigonzetti