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Crítica - Romance

'A Cabeça do Santo' tenta, mas não alcança gênero fantástico

LUÍS AUGUSTO FISCHER ESPECIAL PARA A FOLHA

Muitas regiões da América parecem não caber em parâmetros racionais; a consciência aguda disso ocorreu num momento preciso do século passado, entre os anos 30 e os 60, e deu origem a uma literatura inventiva, no que foi chamado de "boom" da literatura hispano-americana.

Rulfo e García Márquez despontam nesse grupo; e os dois são os parâmetros explícitos de "A Cabeça do Santo", cuja matéria primeira é daquela natureza irracional.

O resultado é bastante fraco. A cena inicial nos apresenta um andarilho em chagas, faminto, no bruto calor do sertão cearense. Ele está cumprindo uma missão, delegada pela mãe já morta: acender velas junto a estátuas de santos e encontrar o pai do rapaz, com quem ele não conviveu.

Ele chega a uma cidadezinha, onde vai viver uma sucessão de peripécias de difícil cabimento, quase inverossímeis: vai morar dentro da cabeça do santo do título, resultado de um equívoco na construção de uma megaestátua de santo Antônio.

Ali, desenvolverá uma atividade inacreditável, que envolve escutar vozes de gente que reza ao santo. Ele vira um misto de profeta, conselheiro e explorador da fé alheia.

Trata-se de clichê, mas o clichê obriga a narrar de forma equivocada. O texto nem alcança qualquer força sugestiva de ordem fantástica, como seus modelos, nem consegue sustentar a força realista que é talvez o seu elemento de maior consistência.

Um exemplo: a cidade para onde vai o protagonista tem "não mais que vinte casas mortas", das quais "só seis eram habitadas". Vamos estimar em umas 50 pessoas, certo? Mas a sucessão dos episódios sugere que o chegante tem dificuldades de encontrar o endereço da casa onde quer encontrar seu pai.

Inconsistência forte que se repete e piora na arquitetura do enredo, cheio de falhas e peripécias. Caso de um português comerciante: anuncia a sua mulher que iria "comprar tecido em Cabo Verde" e depois voltaria pelo Rio, porque ali "tem uma escola de samba que prometeu comprar tudo o que eu trouxer".

Os personagens são 100% fracos, incapazes de impregnar-se na imaginação do leitor, e só sobrevivem por golpes retóricos do narrador: para fazer o leitor acreditar que certo personagem está sofrendo, o texto acumula, em 12 linhas, "perturbar mais e mais", "foi perturbador", "o pânico aumentava", o sujeito "suava" e, para deixar claro, estava três linhas depois "suando em bicas" e "transtornado pela angústia".

Um exemplo de modelos elevados, aqui imitados em seus maneirismos e exterioridades, nunca em sua profunda inscrição histórica, que lhes dá verossimilhança, consistência, força.


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