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Jogo da verdade

Realidade e ficção se cruzam em mostra com dois grandes fotógrafos do século 20: Josef Koudelka e Gregory Crewdson

DAIGO OLIVA EDITOR-ASSISTENTE DA "ILUSTRADA" JULIANA GRAGNANI DE SÃO PAULO

De um lado, cenas verossímeis construídas meticulosamente com recursos do cinema. De outro, fatos retratados por uma testemunha nas ruas de Praga durante a invasão soviética em 1968.

Diferentes representações da realidade, captadas por dois dos nomes mais importantes da fotografia do século 20, se encontram em mostra no MIS (Museu da Imagem e do Som) de São Paulo.

O tcheco Josef Koudelka, 76, e o norte-americano Gregory Crewdson, 51, lideram os destaques do "Maio Fotografia", festival dedicado inteiramente ao suporte, que acontece nas galerias do museu até o dia 22/6.

Crewdson exibe dez fotos da série "Beneath the Roses" (Por Baixo das Rosas), em que cenas depressivas do subúrbio americano são feitas com estruturas megalomaníacas para emular situações reais.

Koudelka, membro da lendária agência de fotografia Magnum, mostra 75 imagens documentais em preto e branco de quando a capital do país da Europa Central foi ocupada por tropas do Pacto de Varsóvia, aliança militar de países do bloco socialista.

Contrabandeadas para fora do país e divulgadas um ano depois sob as iniciais P.P --"Prague Photographer"--, as imagens entraram para a história como registro fundamental da interrupção à Primavera de Praga, período de liberalização política da antiga Tchecoslováquia. Em 1970, o fotógrafo se exilou do país.

"Tirei as fotos para mim mesmo. Por sorte, fiz algo que ninguém mais fez", conta. "Não tive medo. Acreditava que nada iria acontecer comigo. Fui burro, não corajoso", disse ele à Folha, quando esteve em São Paulo para a abertura da mostra.

Kouldelka compara a ocupação ao conflito atual entre Rússia e Ucrânia. "O problema ainda é o mesmo. As pessoas querem liberdade, e vêm outras e tiram isso delas."

Para o fotógrafo, as imagens de 1968 não pertencem ao ramo do fotojornalismo. Ele nunca fez trabalhos para revistas ou jornais. Segundo o tcheco, seu amigo Henri Cartier-Bresson (1908-2004) o aconselhou a ater-se à foto em preto e branco e se afastar do fotojornalismo.

Autor do fotolivro "Gypsies", clássico lançado em 1975 e republicado pela fundação Aperture há três anos, Koudelka viveu com ciganos da antiga Tchecoslováquia, Romênia, Hungria, França e Espanha de 1962 a 1971.

"Há uns anos, numa mostra na França, um cigano disse: Josef é um de nós. Ninguém mais poderia ter tirado fotos de ciganos como ele tirou'", conta o fotógrafo. "Mas não acho que seja verdade."

Talvez viva como um. Tem um apartamento em Praga e outro em Paris, mas diz não considerá-los seu lar. Afirma não possuir carro nem celular. Na maior parte do tempo está viajando para fotografar objetos com os quais diz estabelecer alguma relação.

'REAL FALSO'

Já Crewdson prefere criar sua versão da realidade. Em seus projetos, chegou a recorrer a guindastes e chuva artificial. Até uma casa já foi queimada para que o artista americano pudesse fotografá-la.

"Quando você olha, tem a impressão que ele fez aquela foto de alguma coisa que estava acontecendo", explica André Sturm, diretor executivo do MIS e curador das exposições. "Mas é o inverso, é tudo construído. Achei que era uma subversão do conceito do flagrante do real. É o flagrante do real falso", completa.

Segundo Crewdson, em entrevista à Folha por telefone, a organização de suas produções colossais --ele já chegou a comandar 40 pessoas para realizar uma única imagem-- pouco tem a ver com seu jeito no dia a dia. O fotógrafo diz que "reserva essa obsessão apenas para o trabalho" e afirma que, geralmente, sua vida é um pouco caótica.

"Não acho que sou tão profissional na vida quanto sou na arte." A megalomania cinematográfica do artista é reforçada por Sturm. Segundo o diretor, "Crewdson literalmente faz um filme inteiro para tirar dali só uma foto".

O autor dessas imagens de rostos tristes que vagam pelas ruas desesperançosos afirma que gostaria de produzir filmes, mas encontra problemas com o formato.

"Eu não penso em termos narrativos, me sinto confortável com imagens estáticas. Não sou um escritor, então, se eu fizer, será uma adaptação de um livro ou um roteiro feito por outra pessoa."

Enquanto não faz seu próprio longa, Crewdson foi objeto do documentário "Brief Encounters", de 2012. Dirigido pelo norte-americano Ben Shapiro, o filme segue o processo da obra do artista. Também será exibido na mostra.

O fotógrafo ainda fez parte, aos 17 anos, da banda de power pop The Speedies, que em 1979 lançou o hit grudento "Let Me Take Your Photo", canção que se tornaria uma profecia em sua carreira.

Na parte brasileira da programação, o MIS exibe trabalhos do baiano Robério Braga, do paranaense Valdir Cruz, uma coletiva dos integrantes do LABMIS (residência de fotografia realizada pelo museu) e mais 80 imagens de seu acervo.

Cruz documentou rostos e paisagens de Guarapava, sua cidade natal, a 240 km de Curitiba. Serão expostas 40 imagens da série que leva o nome da cidade. Já "Luz Negra", de Braga, tem 20 fotos que registram tribos do Quênia. Confira a programação completa em www.mis-sp.org.br


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