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Crítica - Romance
Autor usa técnicas de Borges em ficção
Rodrigo Fresán constrói um romance nerd e se assemelha ao conterrâneo no uso de citações
A forma de Rodrigo Fresán é transgênera: passeia entre ficção e ensaio, como se o narrador fosse comentarista do que narra e, ao mesmo tempo, o narrador. Assim, vaga entre fábula e sua crítica, usando lentes às vezes intimistas, às vezes professorais.
Nessa técnica, ele ecoa seu conterrâneo Borges. Fresán reflete o autor de "O Aleph" até naquilo que tinha de mais irritante: o ar pernóstico e arrogante no pendor livresco e no afã "aspomaníaco".
Para começar, Fresán não usa uma, mas sete epígrafes a abrir seu romance (só aspa pesada: Bioy Casares, Nabokov, Proust, Vonnegut, K. Dick, Banville, Cheever).
E, para terminar, no posfácio, ele elenca estes e outros nomes para explicar onde arranjou os tijolos para estruturar o seu livro "com" ficção científica, e não "de" ficção científica (a palavrinha faz, sim, grande diferença). Para quem curte quebra-cabeças como este livro, revelar segredos pode ser meio sem graça.
Franzidas de nariz à parte, "O Fundo do Céu" é uma beleza. Aparentemente trata-se de um livro que louva a literatura; no entanto, ao eleger a ficção científica como o alvo deste amor, Fresán declara fé irredutível na literatura de fantasia, de invenção. Uma linhagem literária sumida em tempos de enfadonha autoficção e atroz realismo.
Este amor é destilado por dois nerds, Isaac e Ezra, cujas leituras de FC os conduzem a se tornar escritores de FC e amigos inseparáveis, mas cuja paixão por certa Eva os faz rivais.
Eles vivem em Nova York, epicentro da FC, e a narrativa percorre cerca de 80 anos, de 1930 aos dias atuais.
Afinal, a história passeia não só pela relação da dupla com os livros como pelos próprios livros: são personagens do romance Lovecraft (que não escreveu exatamente FC, mas foi precursor, como Poe), Asimov, Clarke, Vonnegut, Ballard e o maior de todos, K. Dick --não por acaso o autor que foi tão longe no subgênero FC que hoje a crítica o considera um dos grandes autores americanos "mainstream" do século 20.
Findo o "name dropping", creia: a prosa fácil e sedutora de Fresán torna a viagem espaçotemporal tão divertida quanto brincar de astronauta. Se você é nerd, claro.