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A era do umbigo

Primeiro romance inédito de Milan Kundera em 14 anos, 'A Festa da Insignificância' critica a futilidade do mundo moderno em trama insólita sobre cinco amigos

MARCO RODRIGO ALMEIDA DE SÃO PAULO

O que une o umbigo feminino, uma exposição de Chagall, o câncer, Stálin, Paris e a União Soviética?

Desse aparente "samba do crioulo doido", o escritor tcheco naturalizado francês Milan Kundera, 85, tira um retrato irônico e desiludido do mundo contemporâneo em seu livro mais recente.

"A Festa da Insignificância" chega agora ao Brasil pela Companhia das Letras, em edição de luxo. A primeira tiragen terá 10 mil exemplares (a média nacional de lançamentos fica entre 2.000 e 5.000 livros) em capa dura.

O livro narra a vida, um tanto quanto insólita, de cinco amigos na Paris de hoje, enredados na banalidade cotidiana e num mundanismo desprovido de sentido.

Primeiro romance inédito de Kundera em 14 anos, o livro vem despertando grande expectativa. Na Itália e na França, chegou ao topo das listas dos mais vendidos (mais de 200 mil exemplares nos dois países) e recebeu elogios da crítica.

Kundera, que vive de maneira reclusa, evita exposição na mídia e há mais de uma década não dá entrevistas, mesmo assim é best-seller em vários países.

Sua popularidade começou nos anos 1980, com a publicação de "A Insustentável Leveza do Ser".

A ciranda amorosa na Praga dos anos 1960, permeada pelo autoritarismo comunista e por conceitos filosóficos complexos (o eterno retorno de Nietzsche) tornou-se um inesperado sucesso popular. Inspirou um filme homônimo indicado a dois Oscar.

Lançado no Brasil em 1984 pela editora Nova Fronteira, permaneceu por meses no primeiro lugar das listas dos mais vendidos.

"A Insustentável" tornou-se o modelo mais conhecido do estilo Kundera, que ele próprio já definiu como "contraponto novelístico": múltiplos personagens; união de filosofia, ficção e sonho; divisão dos enredos em sete partes; críticas ao comunismo e olhar jocoso.

"A combinação da forma frívola e um assunto sério desmascara imediatamente a verdade acerca dos nossos dramas e sua terrível insignificância", disse o autor em 1983 à revista "Paris Review".

Exemplo disso está na abertura do trama. Alain, um dos protagonistas, vaga pelas ruas de Paris observando as moças de umbigo de fora. Ele acredita que a moda inaugurou um novo milênio, marcado pela repetição e pelo fim da individualidade, no qual a sedução feminina se concentra no umbigo.

Ao contrário das coxas, dos seios e da bunda, todos os umbigos são parecidos, diz Alain. A insignificância é a essência da nossa existência, define outro personagem, Ramon.

A crise da cultura ocidental é assunto frequente em Kundera. Em entrevista ao jornal espanhol "El País" reproduzida na Folha em março de 1986, criticou a ânsia pela novidade e a rapidez.

"Ao concentrar-se na atualidade, cria-se um sistema de esquecimento no qual a continuidade cultural se transforma numa série de acontecimentos efêmeros, e a obra de arte se converte num gesto sem futuro."

O tema aparece em obras recentes de relevo e é retomado pelo poeta Affonso Romano de Sant'Anna em um ensaio inédito, "As Insignificâncias na Arte Contemporânea".

"A sociedade chamada de pós-moderna' cultua o espetáculo, a superficialidade, a cópia, o descartável, a falência do indivíduo. Essa arte gerenciada pelo mercado produz insignificâncias' que enchem bienais", diz o poeta.

GENTIL, MAS RIGOROSO

Kundera nasceu na República Tcheca (então Tchecoslováquia) em 1929. Perseguido pelo regime comunista implantado no país após a Segunda Guerra, mudou-se para a França em 1975, onde vive até hoje. Escreve em francês desde 1995.

No Brasil, todos os livros de Kundera foram traduzidos por Teresa Bulhões Carvalho Pinto, que tornou-se íntima do autor. "Ele é muito gentil e engraçado no trato pessoal, mas rigorosíssimo, exige total fidelidade. Quando eu digo que determinada construção não é comum em português, ele responde: não tem problema, gosto do insólito'."

A professora e escritora tcheca Markéta Pilátová, atualmente no Mato Grosso do Sul para um projeto de difusão da cultura de seu país, conta que Kundera sempre defendeu um modelo de narrativa claro e direto.

"Acho que essa é a causa de seu grande sucesso em vários países. Kundera trata temas filosóficos complexos com uma prosa simples, elegante, sem empolação. É muito sofisticado, mas não hermético."


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