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Licença para licenciar
Famílias de Tarsila do Amaral, Portinari e Niemeyer vertem obras dos artistas em vários produtos
O sujeito acorda, bebe um "Abaporu", come um pão de queijo em cima do projeto da catedral de Brasília e sai pra rua, pisando em "A Negra" e exalando o cheiro de "Meninos Soltando Pipas".
O roteiro poderá ser real num futuro próximo: os herdeiros de Tarsila do Amaral (1886-1973), Candido Portinari (1903-1962) e Oscar Niemeyer (1907-2012) estão aumentando o número de produtos baseados em obras dos três camafeus das belas artes brasileiras. São os chamados licenciamentos.
Tarsilinha do Amaral, 49, sobrinha-neta de Tarsila, lançou nesta semana uma linha de tecidos de decoração inspirados em dez telas da artista, a R$ 250 o metro. "Também acabo de assinar para fazer uma sandália com a Havaianas", conta a herdeira.
Os produtos, diz ela, servem para alcançar um público que ainda não conhece o trabalho da pintora mais famosa do país. É por isso que ela tenta evitar o uso das obras mais conhecidas, como "Abaporu" e "A Negra".
Nem sempre consegue, como no caso do vinho lançado há um mês com a Miolo, que tem o "Abaporu" no rótulo e custa por volta de R$ 25.
A decisão de colocar o nome no mercado foi tomada há um ano. "É um filão que ainda não existe aqui", afirma Amaral. Ela teve de usar uma tabela europeia para valorar o uso de obras da pintora.
Herdeiros não comentam preços, mas a Folha apurou que um contrato médio fica em centenas de milhares de reais. Um grande chega ao milhão.
CAFÉ E TINTA
Já João Candido Portinari, 75, filho único do artista de Brodowski (338 km de São Paulo), diz "sonhar" com mais licenciamentos.
Sai neste mês uma linha de perfumes, infantis e masculinos, com a mesma assinatura que Portinari colocava em seus quadros. O lançamento é parte de parceria de 15 anos com o Boticário, que é "providencial para a obra do artista".
"Precisamos de dinheiro para custear o Projeto Portinari, que há 20 anos leva reproduções de obras do artista a rincões aonde elas dificilmente chegariam", afirma João Portinari.
Mas o contrato com a firma perfumista e alguns outros, com vinhos, cerâmica, vinho e joias, não custeia toda a estrutura de educação, afirma a família, que quer bolar mais negócios.
"Um dos sonhos que eu tenho é fazer um licenciamento de café. Eu fico surpreso com o fato de que os grandes produtores não tenham notado que a saga do café é a saga da imigração no Brasil, contada pelo Portinari." João negociou por anos com empresas da área, mas o diálogo mirrou.
"Outra área que é óbvia é tinta. Há tinta Coral, Suvinil, mas não há tinta Portinari."
Em breve, Portinari terá concorrência pesada no ramo de louça e de acessórios para a casa.
Carlos Niemeyer, 46, bisneto do arquiteto que desenhou Brasília, disse à Folha em abril que tocava planos para estampar os traços do bisavô em tecidos e pratos --nos últimos anos, os riscos de Niemeyer já apareceram em tênis modelo All Star e coleção de joias da H.Stern.
Procurado pela reportagem nesta semana, Carlos disse: "Botei algumas novidades na área de parcerias. Espera só mais um pouquinho que vai ouvir falar delas".