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Crítica memórias

Obra autobiográfica de Alice Munro tem a mesma vivacidade de títulos ficcionais

LUÍS AUGUSTO FISCHER ESPECIAL PARA A FOLHA

A combinação dos traços narrativos de Alice Munro não é tão fácil de encontrar por aí. Narradora com grande senso do ritmo, a vencedora do Nobel de 2013 pratica o relato de tamanho médio com uma densidade peculiar.

Há ali enredos de temperamento realista clássico, com fatos sociais e psicológicos alinhados com suas razões e consequências, mas tudo imerso num molho característico da escrita praticada por mulheres, que talvez seja justo chamar de escrita feminista, dada a geração da autora (nascida em 1931, no Canadá).

De sua obra, que apenas começa a ser conhecida no Brasil, temos agora "A Vista de Castle Rock", livro de memórias que vem precedido de uma declaração de cautela, da própria escritora, acerca da veracidade dos fatos que o leitor vai encontrar.

O livro, apresentado como contendo "histórias" e não memórias propriamente, tem o mesmo andamento de suas obras de ficção, a mesma vivacidade narrativa que só a boa ficção consegue emprestar a seres de linguagem.

A própria nota de abertura reporta o processo do livro: com vontade de conhecer mais de perto uma de suas ascendências, Laidlaw, e dispondo de informações sólidas desde o remoto (para nós, americanos) ano de 1799, na Escócia, a escritora passou a conviver com registros de antepassados e relatos de viagem de imigrantes, tudo isso somando-se à memória pessoal para entrar em sintonia num relato tão bom quanto sua melhor ficção.

"Fome por história" é uma fórmula que sua avó usa para designar, com certa reprovação, o processo mental da neta; e é uma excelente síntese para o método de Munro aqui. Graças a essa voracidade, o leitor vai visitar o mundo escocês primitivo, em que um antepassado é conhecido como o último homem a falar com fadas.

Vai depois entrar num navio de imigrantes para o Novo Mundo e repassar durezas cotidianas, contraponto dos sonhos de boa fortuna. Vai conhecer a vida da própria autora, desde o ambiente familiar, a Depressão, escola, namoros.

O livro de Alice Munro é inspirador, por isso e por mais: nada tem de autocomiserativo, nem de ufanista. O discreto milagre dessa síntese proporciona uma alegria profundamente entranhada na história do continente.


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