Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Ilustrada

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Crítica - Romance

Edney Silvestre cria beco sem saída

Em novo romance, jornalista e escritor exibe habilidade em ampliar horizontes da trama central

BELEZA DISCRETA DA PROTAGONISTA, QUE LEMBRA JACKIE KENNEDY, EVOCA SONHO BRASILEIRO DE EMANCIPAÇÃO

MANUEL DA COSTA PINTO COLUNISTA DA FOLHA

"Boa Noite a Todos", novo livro de Edney Silvestre, compreende duas obras --uma novela e um monólogo teatral-- com tramas coincidentes e escritas em paralelo, como ele explica no texto que fecha o volume.

Em ambas, temos Maggie, "senhora de idade indefinida" que se hospeda num hotel (ao que tudo indica, no Rio de Janeiro) com propósitos suicidas.

A decisão se deve menos a traumas ou a um estado depressivo do que à impossibilidade de viver o luto e a melancolia.

Após uma sucessão de pequenos derrames, Maggie está perdendo a memória, tem lapsos de linguagem, confunde nomes até mesmo de pessoas muito próximas: os três maridos, a mãe que se suicidou, a irmã que ela levou à morte ao manter relação adúltera com o cunhado.

Esse drama subjetivo e familiar é também (ou sobretudo) a imagem condensada de ilusões sociais tragadas pelo tempo.

Maggie teve vida glamourosa nos anos 1960 e 70, como filha de um funcionário do Instituto Brasileiro do Café, em Londres. Foi casada com o herdeiro norte-americano de uma rede varejista, com um produtor austríaco de filmes de faroeste e com um especulador paulista.

Eles pagaram as roupas com as quais ela desfilava por hotéis de luxo, festivais de cinema e salas de óperas. Agora, enquanto realiza sua cerimônia de adeus, na "suíte pretensamente parisiense, no topo do hotel erguido no surto desenvolvimentista do Brasil Grande", recapitula abandonos e golpes sofridos.

DECADÊNCIA

A atmosfera decadendista de "Boa Noite a Todos" remete ao clima pesado das peças de Eugene O'Neill (1888-1953) e Tennessee Williams (1911""1983), em que surtos psicológicos são sintomas de uma depressão que é também econômica.

Desde seu romance de estreia, "Se Eu Fechar os Olhos Agora", Silvestre mostrou excepcional habilidade para abrir, nos dramas de suas personagens, fissuras pelas quais se enxerga a história contemporânea.

Aqui, ela aparece de modo compassivo e cruel com a voz de um narrador que, na novela, fustiga as lembranças lacunares da protagonista.

A beleza discreta de Maggie, cujo rosto lembra Jackie Kennedy, evoca todo um sonho brasileiro de emancipação internacional e é atravessada por referências crepusculares a atrizes do passado (como Florinda Bulcão) e a músicas que pontuam seu monólogo terminal, como as deslumbrantes "Quatro Últimas Canções", de Richard Strauss.

Ao mesmo tempo, os lapsos de memória de Maggie são a denegação de um colapso maior, dessas alianças sociais equivocadas que a escrita repetitiva, monomaníaca, de Edney Silvestre transforma em beco sem saída.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página