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Opinião
Assistir aos filmes é chance de conhecer personagem único do cinema brasileiro
ANDRÉ BARCINSKI ESPECIAL PARA A FOLHAEm 1963, José Mojica Marins, então com 27 anos, se preparava para rodar um filme sobre delinquência juvenil, mas um pesadelo o fez mudar de ideia.
No sonho, viu uma criatura de unhas longas, cartola e capa negra, que o arrastava para a sepultura. Mojica decidiu filmar uma história de horror. E o personagem inspirado pelo sonho --o coveiro Josefel Zanatas, ou Zé do Caixão-- entrou não só para a história do cinema brasileiro, mas para a própria mitologia nacional. Um monstro tupiniquim, dado a blasfêmias anticatólicas, arroubos nietzscheanos e obcecado pela busca da "mulher ideal", que lhe daria o "filho perfeito".
O personagem apareceu em vários filmes de Mojica, mas três longas contam sua saga. O primeiro foi "À Meia-Noite Levarei Sua Alma", filmado em 13 dias num pequeno estúdio no centro de São Paulo.
Foi um grande sucesso e rendeu uma continuação, "Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver" (1966/67), produção com um pouco mais de recursos, rodada nos fundos de uma sinagoga abandonada no Brás e que trazia uma das sequências mais inventivas da carreira de Mojica: a descida de Zé ao inferno (um inferno de gelo, com neve feita de pipoca), filmada em película colorida, que contrastava com o preto e branco do resto do filme.
Desde o fim dos anos 60, Mojica já sonhava em rodar "Encarnação do Demônio", final da trilogia. Mas a censura, que afugentou produtores e praticamente acabou com sua carreira, não deixou.
Foi só em 2008, com ajuda de dois fãs, Paulo Sacramento e Dennison Ramalho, que Mojica pôde, finalmente, completar a história. Assistir aos três filmes na sequência é chance rara de conhecer um personagem único de nosso cinema. Bons pesadelos a todos.