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Espelho meu

Com envolvimento afetivo ou só profissional, duplas de criadores movem produções no teatro

NELSON DE SÁ DE SÃO PAULO

Em 1984, os atores iniciantes Miguel Falabella e Guilherme Karan atuaram juntos em "Galvez, o Imperador do Acre", no Rio de Janeiro.

"Foi um dos maiores fracassos da história do teatro brasileiro", conta Falabella. "Karan tinha condição, ainda morava com o pai [Alfredo Karan, então ministro da Marinha]. Mas eu não tinha mais dinheiro, não tinha mais nada, estava desempregado. Aí a gente resolveu fazer uma brincadeira à meia-noite. E o resto virou lenda."

Surgiu ali, com texto de Mauro Rasi e Vicente Pereira, em "Miguel Falabella e Guilherme Karan, Finalmente Juntos e Finalmente ao Vivo", um dos pares inaugurais do besteirol, gênero caracterizado por duplas e que renovou depois o humor de TV. No caso, Falabella & Karan "nasceu de um perrengue total e virou um sucesso estrondoso".

Mais do que os grupos ou as companhias, as duplas estão por toda parte no teatro. De Zé Celso e Marcelo Drummond, no Oficina, a Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez, em Os Satyros. Charles Möeller e Cláudio Botelho, que redescobriram os musicais a partir do Rio, assinam apenas Möeller & Botelho, na tradição da Broadway.

A dupla com que mais se identificam é Rodgers & Hart, compositor e letrista, autores da canção "Blue Moon". Já os dois brasileiros puseram a mão em quase tudo, em 35 produções em 24 anos: direção, direção musical, roteiro, composição eventual, tradução, até interpretação --origem de ambos. Hoje, "Cláudio cuida de música, eu cuido de todo o resto", diz Möeller.

Eles se encontraram em "Hello Gershwin", no Teatro Ipanema. "Não foi ninguém, nem a família", brinca. "E foram dez anos martelando. Hoje a gente tem um público nosso, da dupla." Sobre serem um casal: "É lenda, a gente não duraria um fim de semana. O que é bonito da relação é que a gente ama a mesma coisa, os musicais".

AFETOS

Já a atriz e diretora Beatriz Sayad e a produtora Andrea Caruso Saturnino tratam de se encontrar no teatro. "Viajo muito, fico longe, ela também, e tenho vontade de estar perto", diz Beatriz. Andrea produziu "Donka", em que ela atua, em três montagens no Brasil --e depois fez direção de palco e de turnê, por Rússia, Uruguai, Alemanha, EUA e Taiwan.

"E eu ajudo Andrea nas produções. Por exemplo, ela vai trazer o [diretor canadense] Robert Lepage [Jogos de Cartas'] e eu faço assistência de produção", diz Beatriz, acrescentando: "Teatro faz a gente trabalhar muito, e esse é um jeito de ficarmos juntas. Mas a gente também faz muita coisa separadas". Ano que vem, elas voltam à Europa com "Donka".

O autor e diretor Márcio Abreu vê da mesma maneira. O diretor francês Thomas Quillardet veio ao Brasil em 2007 para montar um espetáculo sobre o autor argentino Copi, que a Cia. Brasileira de Teatro, de Abreu, traduziu e publicou. "A vida no teatro é 100% do tempo, e o envolvimento afetivo nasceu do trabalho", conta o brasileiro.

Desde então, Abreu já escreveu algumas peças para e com Quillardet. Uma foi encomenda da Comédie-Française, o teatro estatal de três séculos em Paris, a partir da história dos três porquinhos, "uma experiência sui generis". A mais recente foi "Nus, Ferozes e Antropófagos", que estreia em turnê pela França em janeiro e fevereiro.

A chilena Sandra Vargas veio para o Brasil nos anos 1980, seguindo os pais que fugiram da ditadura, e conheceu Luiz André Cherubini no curso de teatro da UniRio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro). "Primeiro surgiu o grupo", conta ela, sobre o Sobrevento, premiada companhia de bonecos. Depois eles se casaram e se mudaram para São Paulo.

"A gente botou tudo numa Kombi e veio", diz Sandra. O Sobrevento mantém hoje um teatro na região do Belenzinho, em SP, montado num galpão que eles encontraram há seis anos, perto da feira boliviana. Sobre a dupla, ela diz que "existe uma cumplicidade em tudo. Um orienta o outro. Somos duas pessoas que têm um sonho comum".

SÓ TRABALHO

Sem relação afetiva, mas com uma capacidade conjunta de realização que eles mesmos desconheciam, o ator e diretor Otávio Martins e o produtor Ed Júlio se uniram há seis anos e, desde então, já realizaram 13 peças --a mais recente "Caros Ouvintes", em cartaz no teatro do Masp. "Você tem um sonho e o Ed já diz: Vamos fazer'", diz Martins.

"Tudo o que concerne o artístico é responsabilidade minha", continua o diretor. "E tudo o que é operacional é responsabilidade dele. O Ed faz orçamento, edital, contratação. Ele é formado em administração." As parcerias artísticas de Martins são outras, mas o planejamento e a organização permitiram "ter o que a gente sempre quer no teatro: autonomia".

Já a dupla do ator Cacá Carvalho com o cenógrafo Márcio Medina começou em 1978, quando trabalharam em "Macunaíma". É afetiva e artística, mas não tem nada de administrativa. "Não resolvemos editais, essas coisas", diz Carvalho, lembrando que sempre perde licitações. "O teatro que fazemos nasce por necessidade, não cronograma de patrocínio".

Todas as peças de Carvalho, inclusive "Memórias do Subsolo", que estreia em novembro, são com Medina. "Acima de tudo, existe afinidade nos olhares. Mas ela é resultado. Nós não pensamos do mesmo jeito. Ele tem uma doce crueldade ao olhar o meu trabalho. E eu, ao olhar o dele. Nós nos divertimos. Transcende o que é visto."

Ao lembrar a parceria com Guilherme Karan ao longo dos anos 1980, Falabella contou ter tentado encontrar o amigo depois que ele abandonou o trabalho de ator --com síndrome de Machado-Joseph, que leva à perda de movimentos. "Ele prefere que a gente se lembre dele como ele era. Respeito. Mas tenho uma saudade imensa dele."


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