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Quando Asimov visitou o futuro, e ele era 2014

RICARDO BONALUME NETO

"Eu não sei, mas eu posso adivinhar." É assim que o escritor americano de origem russa Isaac Asimov (1920-92) resumia sua visão do mundo de 2014, enunciada 50 anos antes em um artigo publicado no "New York Times" e reeditado no final de dezembro passado pelo jornal.

O famoso autor de livros de ficção científica, como o clássico "Eu, Robô", também escrevia livros e artigos de divulgação de ciência em quantidades assombrosas. Portanto, sua visão sobre o futuro expressa no texto "Visit to the World's Fair of 2014," baseado na feira mundial de Nova York de 1964, é particularmente fascinante.

Como quase todos os que se propõem a adivinhar algo, no artigo acertou em parte e errou em outra parte, apesar de ter sido preciso em vários pontos fundamentais, não necessariamente ligados a aspectos técnicos.

Asimov foi, como sua biografia deixa claro, um fã extremado da tecnologia. E sua visão, no fundo, é otimista: não há problema neste planeta que o homem não consiga resolver se realmente quiser fazer a coisa.

Mas ele se esquece de um ponto importante: muitas vezes é a tecnologia mal usada que cria o problema. Por exemplo, o efeito estufa, o aquecimento global e a mudança climática que estão sendo acelerados pela ação humana.

O autor estava particularmente preocupado com a explosão populacional, um tema que assombrava muita gente então, ecoando a tradição apocalíptica do economista britânico Thomas Malthus (1766-1834).

"Em 2014, há quase certeza de que a população do mundo será de 6,5 bilhões", disse Asimov. A previsão, feita quando na Terra havia menos da metade disso, chegou perto dos mais de 7 bilhões atuais.

"A pressão da população forçará a crescente penetração de áreas de deserto e áreas polares. O mais surpreendente e, em alguns aspectos, animador de 2014 será um bom início na colonização das plataformas continentais. Habitação subaquática terá suas atrações para quem gosta de esportes aquáticos, e, sem dúvida, encorajará a exploração mais eficiente dos recursos do mar, tanto comida como minerais", previu o escritor.

Não está sendo bem assim, tal como a visão asimoviana de que a agricultura teria dificuldade em dar conta do aumento da população. Ele sugere que para alimentar tanta gente a mais seria preciso usar produtos como algas com sabores artificiais, "falso peru" e "falso bife", que sofreriam uma resistência "psicológica" dos consumidores.

O escritor também afirmou que muita gente estaria morando debaixo da terra, pois a superfície estaria reservada para a produção agrícola.

Curiosamente, a solução para a questão dos alimentos já estava acontecendo então, com a chamada Revolução Verde, iniciada na década de 1960, que propiciou grande aumento na produtividade graças a novas linhagens de plantas cultivadas --notadamente, arroz na Ásia-- e ao aumento do uso de fertilizantes nitrogenados.

O mundo de 2014 não passa por epidemia de fome; o de 2064 talvez passe, se a população dobrar de novo.

Asimov tem o clássico entusiasmo pela inovação tecnológica dos nerds. Carros andariam sem tocar a superfície das estradas, levitando "um pé ou dois sobre o solo". É o futuro do desenho animado "Os Jetsons".

Mas, apesar de falar de colônias na Lua ou no fundo do mar, de casas subterrâneas com iluminação artificial nos subúrbios de classe média americanos, ele deixa claro que os avanços não serão para todos.

"Embora a tecnologia ainda se manterá a par com a população até 2014, será somente por meio de um esforço supremo e com sucesso apenas parcial. Nem toda a população mundial irá desfrutar plenamente do mundo de gadgets' do futuro. Uma proporção maior do que hoje vai ser privada deles e embora poderão estar melhor, materialmente, do que hoje, eles estarão ainda mais para trás quando comparados com as partes avançadas do mundo. Eles se moverão para trás, relativamente", escreveu.

Segundo Asimov, "robôs não serão comuns, nem muito bons em 2014, mas existirão". Claro, ele pensa no mesmo robô da sua série de livros, um ser humanoide. Provavelmente não passava por sua cabeça que existiriam robôs industriais em grande quantidade, muito mais úteis do que uma "empregada robô", como a que ele cita.

Na viagem à feira de 1964, ele se espanta com um computador, no estande da IBM, capaz de traduzir russo para inglês. "Se as máquinas são tão inteligentes hoje, imagine o que pode estar previsto para daqui a 50 anos?", questiona-se. Mas ele não trata de internet e defende que computadores miniaturizados serão os "cérebros" dos robôs.

O entusiasmo tecnológico de Asimov não tem limites. Os aparelhos domésticos de 2014 não terão fios elétricos, funcionarão com baterias de longa duração feitas com radioisótopos... Um liquidificador ou cafeteira nucleares?

Ora, Asimov prevê que em 2014 as reações nucleares fornecerão mais da metade da energia consumida pelos homens. Contudo, na matriz energética do planeta, a nuclear costuma ficar hoje em torno de 5%. Combustíveis fósseis ainda dominam.

O escritor menciona várias inovações "revolucionárias". O que mais falta na sua avaliação é outra coisa: os avanços evolucionários que fizeram muita diferença entre os mundos de 1964 e 2014.

A maior lacuna no seu texto diz respeito à medicina e à saúde pública. Desde então se tornaram comuns transplantes de órgãos, diagnósticos por imagem de ultrassom, tomografia e ressonância magnética, inúmeras novas drogas e técnicas cirúrgicas, mesmo o começo de aplicações genéticas, e campanhas de vacinação que eliminaram ou diminuíram muito o impacto de doenças.


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