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Entrevista Larry Randall Wray

Só crescimento liderado por Estado leva à recuperação

Cinco anos após início da crise, economista critica excesso de austeridade e defende governo como garantidor de emprego

ELEONORA DE LUCENA DE SÃO PAULO

O sistema econômico global é frágil, e uma crise de grandes proporções pode voltar a ocorrer. A avaliação é de Larry Randall Wray, professor de economia da Universidade do Missouri (EUA). Para ele, "só o crescimento liderado pelo setor governamental permitirá que os países se recuperem plenamente".

Segundo o estudioso de John Maynard Keynes (1883-1946), Wray foi aluno de Hyman Minsky (1919-1996), a crise desencadeada em 15 de setembro de 2008 com a quebra do Lehman Brothers levou ao descrédito as políticas neoliberais. "Os histéricos do deficit estão errados", afirma.

Autor de "Trabalho e Moeda Hoje" (Contraponto), o economista defende um programa universal de garantia de emprego, no qual o governo fica preparado para ser um empregador de última instância. Abaixo, trechos da entrevista concedida por e-mail.

Folha - A crise global, que teve como marco o colapso do Lehman Brothers, completa cinco anos. O que mudou na economia nesse período?

Larry Randall Wray - Infelizmente, o sistema financeiro global foi voltou ao que era em 2006 graças a gigantescas operações de resgate pelo setor público. O sistema não foi reformado nem investigado nem processado por fraude. Ele foi autorizado a voltar a fazer o que estava fazendo nos anos anteriores à crise.

As economias reais ainda estão com muitas dívidas e com o setor financeiro tendo uma fatia muito grande de lucros. Como resultado, na maioria dos países desenvolvidos o setor real está muito fraco. Os Brics [Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul] conseguiram evitar o pior e até ganharam com seu setor real. O desenvolvimento da economia chinesa é inédito.

A crise acabou? Está perto do fim? Vai ficar pior?

Não acabou. Sobretudo na zona do euro. Embora possa parecer que os EUA, o Reino Unido e alguns países desenvolvidos fora da Europa se recuperaram, seus setores reais estão fracos e suas instituições financeiras retomaram práticas de risco. O sistema econômico global é frágil, e uma crise de grandes proporções pode voltar a ocorrer.

EUA, Europa e emergentes enfrentaram a crise de diferentes formas. Quem foi eficaz?

EUA, Europa e Reino Unido focaram em sustentar seus sistemas financeiros e deixaram os setores reais caírem em recessões profundas. Os estabilizadores fiscais evitaram uma grande depressão como a de 1930. Receitas fiscais caíram e gastos governamentais subiram, mas não o suficiente para restaurar um crescimento robusto.

Só o crescimento liderado pelo setor governamental vai permitir que os países se recuperem plenamente, reduzindo o endividamento privado. Isso não está ocorrendo.

Alguns países, sobretudo a China, usaram enormes estímulos fiscais. Ao mesmo tempo, nações produtoras de commodities foram ajudadas pela retomada da bolha global desse mercado. A sorte teve papel importante na ajuda a economias emergentes.

A crise foi um golpe para as ideias neoliberais?

Certamente. Nenhum neoliberal viu a crise chegar. Todas as políticas que eles recomendavam ajudaram a trazer a crise. Neoclássicos, círculo de negócios real, novo consenso monetário, regras de Taylor, hipótese de mercados eficientes: tudo deveria ser relegado à lata de lixo da história dos cursos de pensamento econômico. Essas teorias estão desacreditadas.

Como estudioso de Keynes, o sr. diria que suas ideias voltaram com a crise?

É uma versão bastarda das ideias de Keynes, a que permite ao governo um papel positivo. Os gestores públicos, porém, perderam a cabeça com o déficit orçamentário. Optaram pela austeridade e cederam à grande finança. Assim, não temos estímulos fiscais suficientes nem regulamentação significativa.

A crise fortaleceu ou enfraqueceu o sistema financeiro?

Enfraqueceu. Ainda temos quase toda a financeirização, mas sem o crescimento econômico. Os encargos da dívidas aumentaram.

A crise fortaleceu ou enfraqueceu o poder dos Estados?

Enfraqueceu. A histeria do deficit forçou a austeridade e há cortes por toda a parte.

Fortes investimentos estatais sempre foram vitais para recuperar economias no passado. Por que os governos hesitam em gastar?

Medo irracional de deficit orçamentários. Os falcões do deficit atacam quem ousa usar o governo para promover o desenvolvimento econômico. A austeridade não costuma reduzir os déficits orçamentários, pois mata a economia e destrói receitas fiscais. Quando isso ocorre, os defensores da austeridade exigem mais cortes. Isso cria um círculo vicioso.

Na verdade, gastos governamentais são o caminho mais seguro para a recuperação, pois não dependem das dívidas do setor privado. E criam renda, fornecem títulos públicos seguros à riqueza do setor privado. Os histéricos do deficit estão errados.

O Brasil voltou a aumentar suas taxas de juros. Essa decisão está na direção certa?

Elevar as taxas de juros não é uma boa maneira de combater a inflação. Se o problema é excesso de empréstimos e gastos, é melhor usar controles de crédito. Se o câmbio está caindo mais que o desejado, é melhor adotar controles de capital. Sei que acordos internacionais e a política interferem nisso.

Como o sr. avalia a questão do desemprego pelo mundo?

Entre os jovens e os grupos desfavorecidos, é crônico e avança. É causado tanto por fatores cíclicos --a retração que ocorreu na sequência da crise financeira global-- como por tendências de longo prazo --o descompasso estrutural crescente, com crescimento e desemprego. Precisamos de uma solução. O único plano que conheço com chance de sucesso é um programa universal de garantia de emprego, no qual o governo fica preparado para ser um empregador de última instância. Todo país precisa disso.

A crise provocou mudanças políticas em vários países. Qual é o significado disso?

Mudanças benéficas aconteceram na América do Sul. Estive recentemente no Equador e fiquei impressionado com a vontade dos políticos de tentar coisas novas. Diria mesmo da China. A maior parte do mundo demitiu e continua a tentar as políticas neoliberais que falharam.

A crise pôs em questão o euro. O que é possível prever?

Era possível prever o futuro da zona do euro antes da unificação monetária. Foi um plano condenado ao fracasso. Não é possível separar moeda e autoridade fiscal. Era claro que na primeira grave crise econômica ou financeira haveria um desastre.

Como o sr. avalia a recuperação norte-americana?

Ela não começou. Batemos no fundo, à espera de uma nova crise. Só Wall Street vai bem, mesmo que de forma temporária, em grande parte devido a balanços falsos.

Como o sr. analisa a China?

O setor bancário informal da China explodiu, fazendo as mesmas coisas que as outras instituições financeiras paralelas ["shadow banks", que passam ao largo das regulamentações] fizeram pelo mundo. Mas tenho esperança de que a China ache solução melhor. Em vez de sustentar o sistema financeiro paralelo, deveriam restringi-lo, eliminando as práticas ruins.

Por que os emergentes passam por turbulências hoje?

A razão mais importante é o fim do boom especulativo de commodities. Além disso, se EUA e Europa continuam a crescer lentamente, há redução de mercados para as exportações globais.


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