Folha de S.Paulo

Cifras & Letras

Livro alerta sobre o poder de manipulação dos números

RODOLFO LUCENA DE SÃO PAULO

O livro "Naked Statistics" (estatísticas nuas), do doutor em políticas públicas Charles Wheelan, tem uma missão, deixada clara logo no subtítulo: eliminar o terror que números e dados supostamente provocam nos não iniciados em lides matemáticas.

Para deixar essa vocação mais evidente, talvez um eventual editor do livro em português possa escolher, em lugar da palavra "nuas", a palavra "peladas", de conotação mais cotidiana.

Pois explicar temas complexos usando exemplos do dia a dia de leigos completos foi a tarefa assumida pelo autor, palestrante e professor de economia no Dartmouth College, uma das mais conceituados universidades dos Estados Unidos.

Em 2002, publicou "Naked Economy", uma introdução à economia. Em janeiro último, lançou nos EUA este livro, que pretende demonstrar que "estatísticas podem ser muito interessantes e, em geral, não são um tema tão complicado assim".

Não que ele fuja das complicações. Praticamente cada capítulo tem um anexo com as fórmulas necessárias para esta ou aquela análise estatística ou cálculo mais complexo, o que pode tranquilizar especialistas que eventualmente venham a conferir esta obra de caráter didático.

Além disso,o final do livro apresenta uma lista de programas úteis para quem trabalha ou pretende trabalhar com estatísticas, fazendo uma pequena avaliação de cada um deles e dando dicas de como podem ser mais bem utilizados.

Apesar de toda a numerália explicada de forma palatável, a maior força de "Naked Statistics" não está nas tecnicalidades, mas, sim, na demonstração de algumas técnicas empregadas por políticos, empresários, administradores públicos, professores, jornalistas e médicos para manipular números em proveito próprio.

Uma confusão recorrente, por exemplo, é a que acontece entre a diferença percentual e a diferença de pontos percentuais.

Às vezes, porém, o uso de um e outro é correto, mas nem por isso esclarecedor.

Para demonstrar, Wheelan cita o aumento de uma determinada taxa no Estado americano de Illinois, que passou de 3% para 5%.

O Partido Democrata, então no governo, dizia que o aumento tinha sido mínimo, de apenas dois pontos; os republicanos, por seu lado, escandalizavam-se com o aumento brutal de 67%.

Os dois estavam certos do ponto vista matemático, estatístico. Para Charles Wheelan, que já tentou -sem sucesso- a carreira política concorrendo pelo Partido Democrata, nesse caso os republicanos tinham razão, porque o importante, no contexto, era o impacto no bolso do contribuinte.

Em outras palavras: para chegar a uma conclusão, não basta ter os números corretos, é preciso conhecer o contexto de onde os dados foram tirados ou no qual a informação será aplicada.

"O uso de estatísticas para descrever fenômenos complexos não é exato. Há muito espaço para ofuscar a verdade", alerta o autor.

Foi o que aconteceu, acredita ele, na crise econômica deflagrada em 2008, à qual dedica um capítulo. Ele explica as ferramentas estatísticas então usadas pelos agentes do mercado financeiros para calcular risco.

Expõe as falhas desses mecanismos e diz que o excesso de confiança naqueles indicadores foi um dos fatores que contribuíram para o desastre -há outros, é claro, como o documentário "Trabalho Interno" (Charles H. Ferguson, 2010), vencedor do Oscar, demonstra com clareza cristalina.

Cada conceito que apresenta ou demonstra é trazido para o mundo real, com exemplos de uso correto, erros ou aproveitamento deliberadamente indevido, que Wheelan resume da seguinte forma: "A estatística é como uma arma de grosso calibre, muito útil quando usada corretamente, mas potencialmente desastrosa nas mãos erradas".

O que acaba por fazer de "Naked Statistics" não um livro-texto de números e fórmulas, mas um interessante ensaio sobre manipulação de dados.

NAKED STATISTICS: STRIPPING THE DREAD FROM THE DATA
AUTOR Charles Wheelan
EDITORA W. W. Norton & Company
QUANTO US$ 26,95, na versão de capa dura e US$ 12,99, na eletrônica (ainda sem previsão de lançamento nacional)
AVALIAÇÃO bom