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Nova Orleans fica menor e mais branca após Katrina
Furacão de 2005 inundou 80% do território e deixou 2.000 mortos
Valor médio do aluguel é o triplo do praticado oito anos antes, o que dificulta volta da população negra
Devastada pelo maior furacão da história dos Estados Unidos, Nova Orleans ressurge como um lugar mais branco, caro e próspero.
Sete anos e sete meses depois de o Katrina inundar 80% de seu território e matar mais de 2.000 pessoas, a cidade, apesar dos avanços, ainda tem bairros parcialmente destruídos e sofre com problemas sociais e de infraestrutura.
A população diminuiu consideravelmente: mais de 124 mil moradores que deixaram Nova Orleans por causa do Katrina nunca mais voltaram. A maioria é negra, pobre, sem dinheiro para voltar e recomeçar de novo, segundo dado da Greater New Orleans, uma organização local.
Local onde funcionou nos séculos 18 e 19 um dos mais modernos centros de escravidão das Américas, a Nova Orleans do pós-Katrina vê sua população negra cair gradativamente --hoje é de 60%, de acordo com a mesma Greater New Orleans.
O número de moradores de rua cresceu mais de 70% desde agosto de 2005, quando o furacão de classe 5 (o mais forte da escala) atingiu o golfo do México e rompeu os frágeis e velhos diques que deveriam proteger a cidade contra o alagamento.
REPAROS
A reconstrução de Nova Orleans, estimada em mais de US$ 100 bilhões, ainda está longe de terminar. Organizações que atuam no local falam em mais sete ou oito anos para concluir todos os reparos.
Para moradores e especialistas entrevistados pela Folha, a cidade nunca voltará a ser a mesma.
"Quando acontece um desastre da magnitude do Katrina, nada volta ao normal. A vida nunca mais será como antes", disse à reportagem Arthur Johnson, diretor-executivo da organização Sustain the Nine, que apoia a reconstrução do bairro Ninth Ward.
O local, o mais devastado pelo Katrina em Nova Orleans, ainda tem ruas inteiras destruídas, com casas que estão da mesma maneira desde a passagem do furacão e lotes inteiros vazios.
A Folha percorreu o bairro, que resume os problemas enfrentados pela cidade para se reconstruir.
Ruas estão quebradas, o transporte público é escasso e hoje só há uma escola no local --antes do furacão, eram quatro. O prédio do corpo de bombeiros ainda está em construção, e faltam supermercados, farmácias e bares.
Em toda a cidade, a educação é um dos mais sérios gargalos. Após o Katrina, o governo local demitiu todos os professores da rede pública. O sistema de educação continua sucateado, funcionando majoritariamente como "charters schools", um modelo híbrido de escolas público-privadas de baixa qualidade que cresce nos EUA.
"Por isso muita gente não voltou. Não é só por falta de dinheiro. Falta também condições de viver dignamente", comenta o "faz-tudo" John Taylor, 65.
OPORTUNIDADE
Os estragos causados pelo furacão em Nova Orleans foram uma oportunidade para muitos fazerem dinheiro. É o caso de empresas de advocacia, do mercado imobiliário e lojas de materiais de construção, cujos preços crescem ano após ano.
"Está difícil e muito caro achar material de construção. O preço de qualquer coisa está pelo menos três vezes mais caro", conta o pintor Glenn Jones, 58, que terminava de reformar sua casa destruída pelo Katrina na última semana de março.
O valor médio dos alugueis, sejam residenciais ou comerciais, também já é três vezes maior do que oito anos atrás --o que exclui a população pobre que não consegue retornar à cidade.