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Mandela é enterrado sob clima político

Evento reforça imagem do Congresso Nacional Africano, partido do presidente Zuma, e ignora oposição presente

Chega ao fim o período de homenagens ao líder pelo país, que incluiu um velório público de três dias em Pretória

FÁBIO ZANINI ENVIADO ESPECIAL A QUNU (ÁFRICA DO SUL)

O sentimento de orfandade dos sul-africanos ontem, dia do enterro do "pai da nação", Nelson Mandela, foi resumido por seu amigo Ahmed Kathrada, 84, que passou com ele 26 anos preso.

"Minha vida agora é um vácuo. Não sei mais a quem recorrer".

Foi de Kathrada, histórico representante dos descendentes de indianos no mosaico do movimento contra o apartheid, o discurso mais emocionante ontem, entre os muitos na longa cerimônia que precedeu o enterro de Mandela na vila de Qunu, terra de seus ancestrais.

No total, foram 3h40 de solenidade numa improvisada tenda montada no lugarejo, quase o dobro do prazo inicialmente previsto.

Isso impossibilitou respeitar ao pé da letra a tradição da tribo de Mandela, os thembu, que são parte da etnia xhosa: enterrar um grande líder precisamente ao meio-dia, "quando o sol é mais alto e a sombra, mais curta".

O caixão de Mandela desceu à sepultura, cavada dentro de um pequeno jardim, pouco antes das 13h locais (9h no Brasil). Antes, o corpo foi abençoado uma última vez por um bispo.

"Descanse em paz. O seu foi o verdadeiro longo caminho para a liberdade, e agora você alcançou essa liberdade", disse o religioso, referindo-se ao título da autobiografia de Mandela.

Três helicópteros fizeram então um sobrevoo, cada um com uma bandeira da África do Sul presa numa haste, seguidos por seis caças --duas cenas reminiscentes da posse de Mandela como presidente do país, em 1994, fim oficial do apartheid.

Seguiu-se uma salva de 21 tiros de canhão e a TV estatal, única com acesso ao evento, cortou o sinal do momento final da descida do caixão, respeitando o desejo da família. Minutos depois, foi confirmada pelo governo que Mandela, morto no último dia 5, estava enterrado.

POLÍTICA

Chegava ao fim assim o período de dez dias de homenagens no país, que incluiu um memorial em um estádio de Johannesburgo e três dias de velório público em Pretória, com filas quilométricas.

A última etapa começou ontem cedinho, quando o caixão, envolto na bandeira sul-africana, foi levado ao local da cerimônia de adeus, pouco antes das 8h (4h no Brasil)

Cerca de 4.500 pessoas aguardavam o corpo debaixo de uma tenda gigante. O caixão foi deixado ao pé do altar, adornado por uma foto de Mandela sorridente e 95 velas, referência aos anos que viveu.

O presidente sul-africano, Jacob Zuma, sentou-se na primeira fila, entre Winnie Mandela, ex-mulher do homenageado, e Graça Machel, a viúva. Presidentes e membros de famílias reais de África e Europa compareceram.

Lá estavam também celebridades como a apresentadora Oprah Winfrey e os atores Forest Whitaker e Idris Elba (que faz Mandela na adaptação cinematográfica do livro "Longo Caminho para a Liberdade", ainda sem estreia no Brasil).

Não houve apenas homenagens e reminiscências da vida do herói sul-africano, mas política também.

A começar pela apresentação do evento, a cargo da presidente e do vice-presidente do Congresso Nacional Africano, o partido de Mandela e que hoje permanece no comando do país, com Zuma.

A mensagem, já há muito clara para todos os sul-africanos, foi reforçada aos olhos do mundo todo: no país, o partido está acima do governo.

Zuma, que enfrenta problemas de popularidade em razão de denúncias de corrupção e da má performance da economia (previsão de crescimento de apenas 2% para este ano), não perdeu a oportunidade de misturar a trajetória de Mandela com a do partido.

"Nós sempre nos lembraremos dos princípios que você [Mandela] personifica e que o CNA representa", declarou ele, que foi vaiado na cerimônia no estádio na semana passada e que em cerca de cinco meses concorrerá a mais um mandato de cinco anos.

Partidos de oposição, também ali representados, mal foram mencionados.

Nenhum líder político branco subiu ao palco, nem mesmo o ex-presidente Frederik de Klerk, o homem que libertou Mandela e dividiu com ele o Nobel da Paz.

Crítico do governo e maior ícone da luta contra o apartheid após Mandela, o arcebispo Desmond Tutu foi outro praticamente ignorado.

Ele confirmou sua presença no evento apenas na última hora.

A família foi representada nos discursos por dois netos. "Ele era um grande contador de histórias, especialmente quando tirava sarro de si próprio", disse a neta Nandi Mandela.


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