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Clóvis Rossi

A bruxa está solta?

A crise traz de volta à Argentina o fantasma do encurtamento do mandato presidencial

Eu não creio em bruxas, a não ser que elas sejam argentinas.

Os vizinhos do Sul têm uma nefasta tendência a abreviar o período de governo de mandatários legitimamente eleitos. Antes, eram golpes militares. Depois que estes foram devidamente encaminhados à lata de lixo da história, o truncamento de mandatos se faz à base de "cacerolazos", como ocorreu com Raúl Alfonsín, em 1989, e com Fernando de la Rúa, em 2001.

Agora, mesmo sem o sacudir de panelas, eis que ninguém menos que o ministro do Interior, Florencio Randazzo, avisa: "Não se iludam, não vamos sair antes" [antes de 2015, ano de eleições presidenciais].

Antes dele, o governador (kirchnerista) de Misiones, Maurice Closs, já levantara a hipótese de repetição dos episódios Alfonsín e De la Rúa.

Ou seja, é no próprio situacionismo que se mencionam os fantasmas de um passado ainda muito recente --e muito traumático.

Nesse ambiente rarefeito, Cristina Kirchner, que estava sendo acusada de omissão desde que adoeceu, no fim do ano, voltou a vestir roupa de combate para atacar o mundo pelos problemas que a Argentina está enfrentando. Culpou por eles empresários (toda a cadeia de comercialização), os bancos, os sindicalistas e, como de hábito, a mídia opositora.

A propósito desta: o governo conseguiu dobrar o grupo Clarín, que está sendo desmembrado como pretendia a Lei de Meios. Nem por isso a crise ficou mansa, o que prova que o governo estava só tentando riscar o espelho para evitar que ele mostrasse uma realidade desagradável.

Riscado o espelho, a realidade continua lá, do mesmo tamanho ou até maior. Afinal, os dados oficiais mostram que, só em janeiro, o Banco Central perdeu US$ 2,499 bilhões de suas reservas, reduzidas agora a menos de US$ 28 bilhões.

Culpa do Clarín, que já não tinha as características monopólicas que o governo lhe atribuía? A culpa, todo mundo sabe, é do descontrole inflacionário e do câmbio que o governo tenta controlar artificialmente.

Mas a presidente, presa no labirinto de suas certezas, prefere ver as coisas de uma maneira cor-de-rosa: diz que, se os trabalhadores argentinos estão comprando dólares --e devem estar mesmo--, é porque seu padrão de vida lhes permite esse luxo.

Não é bem assim. Antonio Caló, o mais chapa-branca dos sindicalistas, lamentou outro dia que falte dinheiro até para comer para muitos trabalhadores argentinos.

O que os leva a correr para o dólar não é, pois, um exuberante poder de compra, mas uma já atávica desconfiança em relação ao peso.

Por pior que seja a crise, no entanto, não parece haver a menor lógica na especulação de que Cristina pode desistir de cumprir integralmente seu mandato.

Mas nunca se deve subestimar a capacidade de a política argentina enveredar pelos mais loucos caminhos, ainda mais em um momento de turbulência nos mercados emergentes. A turbulência é tão mais virulenta quanto mais frágil é a posição de um dado país --e a Argentina, ao lado da Venezuela, está na linha de frente das fragilidades.

crossi@uol.com.br


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