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A mulher e o Presidente

Casada com o líder do Uruguai, ex-guerrilheira se prepara para concorrer à Vice-Presidência e diz que Mujica complicou a vida dos sucessores

LÍGIA MESQUITA DE BUENOS AIRES

A foto do presidente José Mujica, 78, na posse do ministro da Economia do Uruguai, em dezembro, virou notícia no mundo todo porque ele usava sandálias.

Foi Lucía Topolansky, 69, sua companheira há 29 anos, quem comprou o calçado. "Fazia tanto calor e ele estava aborrecido por ter que usar tanta roupa quente. Nunca imaginei essa repercussão."

Além de ajudar a escolher o guarda-roupa do marido, Lucía também tem uma trajetória política singular.

Senadora mais votada em 2009, ela concorrerá à Vice-Presidência do país na chapa do ex-presidente Tabaré Vázquez nas eleições internas da Frente Ampla, em junho. Se escolhidos, disputarão a sucessão de "Pepe" Mujica no pleito presidencial deste ano.

Lucía conheceu Mujica quando os dois se chamavam Ana e Facundo, seus codinomes de guerrilheiros no movimento Tupamaros. O incipiente namoro foi interrompido pela prisão de ambos. Após 13 anos atrás das grades, eles se reencontraram.

Hoje, diz, é "o melhor soldado" que o marido tem no Congresso. "Quando ele me liga e diz que tem que apressar uma lei, sabe que conta comigo." Leia trechos da entrevista da senadora à Folha.

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Folha - A senhora não quis concorrer à Presidência?

Lucía Topolansky - Nós [da Frente Ampla] discutimos o tema, mas vimos que temos de assegurar uma vitória. Tenho claro que as pessoas transferem a confiança em Pepe para mim. Mas não me visto com a medalha alheia, conheço minhas limitações. Agradeço o carinho, mas não estou em condições de assumir uma tarefa mais complexa.

Será difícil substituir o presidente Mujica?

Sim! Ele complicou para todo mundo! [risos] É difícil criar uma personalidade como a dele. Mas não será uma transição complicada. Um projeto não pode depender de uma pessoa. E Pepe diz: "O dirigente mais valioso é o que deixa uma equipe que o supera com vantagem".

O Lula, no Brasil, teve uma postura inteligente ao ajudar a construir a Dilma como sucessora. E ela não falhou. Já os venezuelanos achavam que Chávez era imortal. Já disse ao Evo Morales [presidente da Bolívia] que ele precisa pensar no que vem depois.

E como o seu marido recebeu a notícia da sua postulação à Vice-Presidência?

Ele me disse: "Vou estar aposentado como presidente e você vai ter que trabalhar". [risos]. Somos do mesmo partido, e ele recebeu bem. Mas ele, na verdade, não vai ser um presidente aposentado.

Não? Ele já tem planos para quando acabar o mandato?

Ele já me pediu para organizar uma reunião no primeiro dia após ele deixar a Presidência. Quer militar e ajudar os companheiros nas eleições municipais de 2015. Outros presidentes e ex-presidentes já pediram que ele fique à frente da Unasul.

Além disso, temos um projeto para construir uma escola agrária na nossa casa. Ele vai pôr essa tarefa no ombro. Pepe tem quase 80 anos, mas sonha como se tivesse 20.

Quando estava na prisão, pensava que um dia seria política?

Política eu fazia com arma. Mas isso que estou fazendo era impensável. O que eu sempre pensei é que a minha causa era válida e que eu ia brigar até o fim da minha vida. Há razões que continuam sendo válidas, apesar de o socialismo real ter acabado e de muitas coisas terem passado no mundo. O ser humano merece viver numa sociedade melhor, mais justa.

Como entrou para a política?

Com a anistia, logo que eu e os companheiros saímos da prisão, combinamos de nos reunir no dia seguinte para ver o que faríamos. Reencontrei Pepe e decidimos nos incorporar à Frente Ampla.

Organizávamos "mateadas", em que conversávamos com a população tomando mate. Esse contato foi muito importante. A imprensa nos chamava de terroristas. Se não tivéssemos feito esse caminho, Pepe não poderia nunca ter sido presidente.

A sra. comanda uma comissão que cuida da Defesa uruguaia. Como é lidar com os militares?

Alguns companheiros têm sentimento de vingança, eu não. O ódio não nos leva nem à esquina. A instituição Forças Armadas ainda tem uma cultura que não corresponde [à realidade], mas, se ninguém trabalhar isso, nada vai mudar. Entrei na luta porque estava convencida. E eu também cometi erros, tá? Que fique claro.

Quais erros?

Na luta armada, pode morrer gente que não tenha nada a ver. E a vida é uma só.

Sua geração lutou contra a ditadura. Como vê os jovens de hoje?

O mundo de hoje oferece muito pouco à juventude e a bombardeia com muita coisa. E eles vivem numa feroz sociedade de consumo. De todos os vícios, acho que o do consumo é o pior, porque te dá a falsa impressão de que é aí que está a felicidade.

O presidente é romântico?

A seu modo, sim. [risos] Ele já me escreveu cartas lindas. Sabe como dizer as coisas. Ele conquistou minha mãe falando: "Muito obrigado por sua filha!" [risos].

Como manter um casamento tanto tempo?

É preciso recriar o casal todos os dias. Se um não está atento, isso acaba. E um militante só pode estar com alguém que acredite na mesma causa, porque não há horário, não há domingo.

Estávamos na luta armada e tínhamos de viver a vida naquele minuto. No outro dia, um podia estar morto ou preso. As relações são bem mais intensas, você não pensa "ah, vamos viajar de férias".

Ter vivido anos na prisão fez também com que a gente saiba que vale mais andar com pouca bagagem. Por isso, o consumismo não entrou tanto na nossa vida. A gente se dá conta de que a felicidade está muito mais em ter um momento nosso que em ter o último CD de alguém.


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