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Análise

Como Vargas, Bento 16 joga sobre rivais o peso de seu 'suicídio'

MARCELO COELHO COLUNISTA DA FOLHA

Sobre a renúncia de Bento 16, a frase mais estranha, e mais dura, veio de um cardeal. "Da Cruz não se desce", disse Stanislaw Dziwisz, antigo secretário pessoal de João Paulo 2º.

O polonês Dziwisz estava comparando a saída de Bento 16 com o sofrimento de seu antecessor. Destruído pelo mal de Parkinson, João Paulo 2º aguentou até o fim; ficou na Cruz. Bento 16, supostamente por fragilidade e cansaço, não foi capaz de sacrifício semelhante.

Fazer a comparação entre os dois papas parece, da parte de Dziwisz, quase desumano; no mínimo, é falta de compaixão pelo sofrimento alheio.

Por que tanta dureza? Dziwisz deve ter se lembrado de uma entrevista que Bento 16 deu a uma rede de TV italiana, quando ainda era o cardeal Ratzinger e quando João Paulo 2º já sofria bastante com sua doença.

O papa não deve renunciar, dizia Ratzinger. O Senhor é quem dá a alguém responsabilidade de ser papa, explicou, e "só o Senhor pode retirá-la." O sofrimento de João Paulo testemunhava sua proximidade com Cristo.

O repórter pôs, digamos assim, lenha na fogueira. Ele lembrou uma frase de João Paulo 2º: "Deus me iluminou, e só Deus me pode tirar daqui". Por que o papa teria dito isso?

"Porque assim é", respondeu Ratzinger. Não foram os cardeais que fizeram dele um papa, mas sim uma intervenção divina.

Incoerência de Bento 16, renunciando agora? Nem tanto: sempre se pode dizer que ele estava apenas justificando a coragem de João Paulo 2º, que afinal é considerado um santo, e que nem todo papa, mesmo bom, tem a obrigação de ser um mártir.

Mas é aí que o raciocínio de Bento 16 dá mais uma volta. Vale lembrar que três dias antes da renúncia, no dia 8 de fevereiro, o papa fez um discurso para jovens seminaristas, comentando algumas palavras de são Pedro.

São Pedro, o fundador da Igreja, foi também um "homem que caiu", que negou Jesus. Bento falava de si mesmo? Ou do Vaticano?

São Pedro decidiu sair de onde estava para ir a Roma, onde o esperava "o martírio", a Cruz. "Roma é o lugar do martírio", acrescentou o papa. Cita ainda são Pedro: Roma? É "a Babilônia". Lugar de paganismo e de pecado.

Eis que tudo se transforma, então. O sofrimento de Bento 16 não está em seus problemas físicos. O que lhe falta é a energia para enfrentar as tarefas de renovação da igreja.

Não se trata apenas de "sofrer e orar", como fez João Paulo 2º, mas também de possuir "vigor de corpo e espírito" para "conduzir a barca de são Pedro". É o que ele disse no discurso de renúncia.

Interpretando: dados os escândalos financeiros e morais de Roma, dessa "Babilônia", é necessário que seja eleito um papa mais vigoroso do que eu. Fica a imagem de um papa vencido por inimigos poderosos.

Conclusão: Bento 16 acaba saindo como mártir também. Não o mártir passivo, que apenas sofre e reza. Mas um pouco o mártir no estilo de Getúlio Vargas, que se "suicida" simbolicamente e, com isso, joga sobre os adversários, sobre as "forças ocultas", a responsabilidade pelo que aconteceu.

Se essa versão procede, parecem pequenas as chances de que a burocracia interna do Vaticano, com os cardeais italianos representados pelo secretário Tarcisio Bertone (78 anos), detenha controle da sucessão.


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