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New York Times

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Cresce mercado consumidor cubano

Por VICTORIA BURNETT

Havana

Quando um cinema 3D foi inaugurado em seu bairro, há dois meses, Manuel Alejandro se apressou em comprar ingressos. Não era nenhuma sala Imax, apenas um pequeno salão num apartamento adaptado, com uma TV de 55 polegadas e uma máquina de M&M's no canto. Mas, a US$ 3 por pessoa, Alejandro e seus amigos puseram os óculos especiais e assistiram ao filme de sua escolha.

"Isso é novidade -pelo menos em Cuba", disse Alejandro, 33, que numa noite recente esperava para assistir ao seu segundo filme em 3D, "Viagem 2: A Ilha Misteriosa".

"Se as pessoas têm um pouco de dinheiro para gastar, procuram formas de gastá-lo", disse Alejandro, que trabalha de dia num estúdio fonográfico estatal e à noite cria sites para clientes próprios. "Agora você tem um pouco mais de opções para sair e se divertir."

Alejandro é parte de uma pequena, mas cada vez mais visível, classe consumidora, cujo apetite por luxos, embora modesto para alguns padrões, chama a atenção dos empresários da ilha.

Alguns empreendedores espertos estão transformando suas casas e garagens em pequenos cinemas. Outros alugam suas piscinas ou estão inaugurando bares de esportes, cafés com videogames, lava-rápidos e até pet shops. "Não é consumo como tal -não ainda", disse Alejandro. "É a semente do consumo."

Gente como Alejandro é minoria em Cuba, onde o Estado paga um salário mensal médio de US$ 19 aos seus 4 milhões de funcionários públicos, enquanto os pensionistas recebem pouco mais de metade disso. Embora recebam rações alimentares, assistência médica e, em muitos casos, remessas financeiras de parentes ou dinheiro de atividades no mercado negro, a maioria dos cubanos vive de forma humilde, e até o papel higiênico é um luxo.

Uma mulher que pediu para ser identificada só pelo prenome, Yunesky, disse que o salário de US$ 80 do seu marido como segurança particular mal é suficiente para arcar com alimentação, sabonete e detergente para sua família de cinco pessoas. "Um filme em 3D? Não, não", disse ela, apontando para as duas filhas e o neto. "Não posso nem comprar um sorvete para eles."

Mas o número de cubanos gastando dinheiro cresceu nos últimos quatro anos, período em que o presidente Raúl Castro abriu a economia para uma limitada atividade empresarial e agrícola não estatal.

O número de cubanos que trabalham no setor privado urbano ou rural passou de cerca de 600 mil em 2009 para 1 milhão atualmente, ou 9% da população, segundo estatísticas do governo.

Ao mesmo tempo, novos mercados para imóveis e carros usados injetaram dinheiro no sistema, segundo economistas, e a diáspora cubana colocou capital e produtos nas empresas.

Os novos empresários e produtores rurais se juntam a outros que compõem a peculiar classe consumidora cubana: garçons, artistas, músicos, agentes do mercado negro, funcionários públicos corruptos e um grupo de proprietários de empresas mais antigas. E eles estão gastando mais e mais abertamente.

Numa ilha onde todos deveriam ser iguais, os privilegiados costumam manter a discrição, construindo muros mal-acabados em torno de uma casa bem mantida ou bebendo cerveja na sua sala de estar em vez de irem a um bar.

Mas isso está mudando, segundo Liván Beltrán, 47, que há dois meses inaugurou um lava-rápido e um restaurante no quintal da sua casa. Lá, ele limpa 60 carros por dia, a maioria pertencente a cubanos, ao preço de US$ 3 a US$ 7.

Castro repetidamente ataca o igualitarismo, que ele definiu em linhas gerais como um trabalhador vadiando enquanto outro se esfalfa. "Cuba deve buscar uma sociedade que seja menos igualitária, porém mais justa", disse o presidente em um discurso em fevereiro na Assembleia Nacional.

Logo depois de assumir o cargo, em 2008, Castro abriu espaço para mais consumo, ao autorizar os cubanos pela primeira vez a se hospedarem em hotéis e a comprarem celulares e laptops.

Desde então, as reformas econômicas legalizaram muitos negócios que antes operavam clandestinamente e reduziram o estigma associado a ter dinheiro, segundo Beltrán.

"A questão não é se há cubanos com dinheiro", disse Beltrán, apontando os cubanos e estrangeiros que bebericavam cerveja enquanto seus funcionários lavavam e aspiravam veículos. "É onde eles gastam e como gastam."

Com facilidade, ao que parece. Dados publicados pelo Departamento Nacional de Estatística mostram que 1,5 milhão de cubanos se hospedaram em hotéis ou gastaram dinheiro em atividades turísticas em 2012, 200 mil a mais do que no ano anterior.

Em Havana, restaurantes privados, que há um ano ou dois atendiam principalmente expatriados, agora têm mais clientes cubanos. Em áreas boêmias de Havana, as placas amarelas nos carros, que indicam veículos pertencentes a cubanos, são uma pista de que o público é predominantemente local.

Joseph Scarpaci, coautor de um livro sobre o consumo em Cuba, disse que existe atualmente "muito mais estratificação de classe", mas previu que os cubanos manterão a tendência à não ostentação financeira. "Um cubano uma vez me disse: 'Você precisa saber quando exibir suas correntes de ouro e quando escondê-las'."

Alguns temem que as mudanças econômicas -que geraram um movimentado setor varejista e milhares de quiosques de comidas, bares e restaurantes, mas quase nada em termos de indústria -tenham criado uma aura de bem-estar que esconda a estarrecedora falta de produção em Cuba.

"Pelo lado positivo, o setor privado está elevando a qualidade dos serviços", disse Lenier González, coeditor da revista "Espacio Laical", financiada pela Igreja Católica. "Mas isso não está associado à produção de bens tangíveis", acrescentou. "É só dinheiro em um circuito fechado."

Mas é dinheiro. A ex-contadora Karina Martín, 50, começou a alugar a piscina da sua casa, nos arredores de Havana, cobrando US$ 5 por dia, incluindo almoço -uma fração da tarifa na maioria das piscinas de hotéis estatais.

Alejandro ganha algumas centenas de dólares a cada site criado, o suficiente para cobrir aluguel, alimentação e vestuário para ele e a mulher.

Eles enviam dinheiro para parentes, e o resto eles poupam ou gastam em extras.

Outro dia, contou, ele estava lembrando com alguns amigos de uma ocasião, anos atrás, em que eles juntaram os trocados que tinham nos bolsos para comprar uma lata de cerveja. Ele riu.

"Nós dissemos: 'Puxa, nós mudamos'."


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