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Antigo cemitério desafia projeto olímpico na Rússia

Por JOHN BRANCH

SOCHI, Rússia - Nunca antes uma Olimpíada foi construída tão desde o zero. Praticamente todos os elementos -desde arenas até a pista de bobsled e desde resorts de esqui até uma linha de trem que sobe por um cânion estreito- foram projetados numa folha de papel em branco.

Mas esse papel continha uma pequena mancha que não podia ser apagada e em torno da qual os elementos tinham que ser construídos -um pequeno bosque cheio de túmulos. Pela lei, mesmo que não por sua consciência, os planejadores olímpicos não podiam destruí-lo.

As autoridades olímpicas russas citam o caráter compacto e circular do chamado agrupamento costeiro, numa planície ao lado do mar Negro, que abrange eventos ao ar livre como esqui alpino, snowboard, biatlo e luge.

Num círculo que cerca uma praça central, há uma arena moderna de hóquei ao lado de uma arena menor, no formato de um disco de hóquei. Há um prédio cinzento quadrado erguido para o curling, dominado por um ginásio baixo para patinação de velocidade, com telhado descendente. Há o azulado palácio de patinação conhecido como "Iceberg", com vidraças coloridas, e o estádio olímpico de Fisht, com 40 mil assentos ao ar livre dispostos sobre um exoesqueleto de vigas de aço cruzadas.

E há o cemitério de um século de idade, onde descansam chamados velhos crentes, membros de uma seita purista da igreja ortodoxa. É um lugar solene, que não se deixa abalar pelo caos que o cerca: hoje, as obras de construção. Mais tarde, os Jogos de 2014.

Para aqueles que o notarem, o cemitério servirá para lembrar o deslocamento de milhares de moradores da área, retirados de suas casas para dar lugar à construção dos locais dos Jogos assim que eles foram confiados à Rússia, em 2007. Bairros situados nas terras agrícolas baixas foram demolidos, e os moradores que conseguiram apresentar provas de propriedade receberam a oferta de pagamento financeiro ou imóveis de substituição em bairros recém-construídos nas proximidades.

O deslocamento de pobres, tradição da construção olímpica que ganhou mais destaque em Pequim antes das Olimpíadas de 2008, vem sendo examinado de perto e criticado por organizações como a Human Rights Watch. Dmitry Chernyshenko, presidente e executivo-chefe do Comitê Organizador de Sochi 2014, disse neste ano que todos os moradores da área receberam acordos justos. Para ele, aqueles que demoraram a aceitar as propostas são pessoas que têm pouco direito sobre os imóveis que habitavam.

"Acredite, quanto estamos fazendo tantos esforços e gastando tantos recursos, a reputação do país é muitíssimo mais importante que o interesse de proteger o dinheiro de uma ou duas famílias", disse Chernyshenko. "Todas as famílias receberam tratamento justo. Investigamos cada caso."

Um dos moradores que optou por não deixar sua casa foi Prokofey Drovichev, 72. De sua casa decrépita de blocos situada atrás de uma lojinha numa ruela estreita, ele assistia à construção das novas arenas. Contou que recusou uma oferta do governo para se mudar alguns anos atrás e que sabia que possivelmente não receberia outra. "Se me derem um valor suficiente, eu vou", disse Drovichev, falando com a ajuda de intérprete. "Mas não vou para muito longe. Esta é nossa terra. Nossos antepassados estão enterrados aqui."

Muitos "velhos crentes" deixaram a Rússia em um êxodo séculos atrás, fugindo da perseguição e se espalhando pelo mundo. Convidados pelo czar Nicolau 2° a retornar, centenas deles se assentaram em pequenos lotes às margens do mar Negro, em 1911. O cemitério foi criado em 1915.

Até pouco tempo atrás, muitos ganhavam a vida trabalhando em fazendas estatais das proximidades. Hoje as fazendas e os bairros, também habitados por imigrantes de países vizinhos, deram lugar a obras de construção olímpica e ambiciosos planos imobiliários.

Os planos preveem a permanência do cemitério e nada mais. Autoridades olímpicas disseram que o cemitério ocupa um hectare. Não está claro quantas centenas ou milhares de velhos crentes foram sepultados ali, porque os registros estão incompletos, segundo autoridades olímpicas. Mas os pais e avós de Drovichev foram enterrados ali, e ele diz que gostaria de sê-lo algum dia, também.

Nos últimos anos, os velhos crentes que quiseram visitar o cemitério tiveram que solicitar autorização para passar pela cerca em torno das obras.

Depois das Olimpíadas, será mais fácil visitar o cemitério, mas mais esdrúxulo, passando por uma paisagem vazia de concreto com arenas monolíticas (algumas projetadas para serem desmontadas e reerguidas em outras cidades) e um parque nas adjacências.

O "New York Times" não conseguiu autorização para entrar no cemitério neste ano, apesar de ter feito várias solicitações.

Chernyshenko disse que o cemitério ficará aberto ao público durante os Jogos. "Quando chegar a hora dos Jogos, vamos deixar o lugar bonito em termos do ambiente. Vamos plantar algumas árvores e não deixar que os túmulos ofendam a visão."


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