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New York Times

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Inteligência/Roger Cohen

Crise afasta turistas do Egito

CAIRO

Tive três encontros interessantes aqui. O primeiro foi com um camelo. O segundo foi com uma mulher irada. O terceiro, com um liberal egípcio. Vou relatá-los na ordem em que aconteceram.

O camelo estava ao lado da Grande Pirâmide de Gizé. Seu nome era Rambo, e ele estava entre dezenas de outros camelos ociosos cujos donos os ofereciam para passeios maravilhosos no deserto ou para ver a Esfinge. Senti pena.

No auge da temporada turística egípcia, não havia um único turista nas pirâmides, até a chegada de um ônibus cheio de indianos. Fiz o belo passeio de meia hora sobre Rambo e paguei alguns dólares pela experiência.

O turismo egípcio, antes um dos esteios da economia do país, encontra-se em estado lastimável, três anos depois de a Primavera Árabe explodir e o presidente Hosni Mubarak ser deposto. A instabilidade e a violência afastaram os visitantes. O Egito não é a Síria, mas bastam incidentes pequenos para alimentar temores. Aqueles poucos dólares não vão sustentar os inúmeros egípcios em Gizé, com seus suvenires, cavalos, camelos e comida.

A pobreza do Cairo se evidencia às margens do rodoanel, no caminho de volta à cidade. Construções inacabadas, sem portas e com grandes buracos abertos que servem como janelas, são habitadas por pessoas que abandonaram o campo. A presença de varais e antenas parabólicas revela que é um acampamento urbano. Há sujeira e miséria por todo lado. O Egito precisa revitalizar sua economia com urgência, mas, sem estabilidade, os investimentos externos estão suspensos.

A mulher irada estava perto da mesquita Al Hussein, no centro do Cairo. Manifestou sua exasperação com a desordem reinante no Egito, as eleições repetidas e os abusos de poder cometidos pela Irmandade Muçulmana antes da deposição do presidente Mohammed Mursi pelo Exército, em julho.

Batendo o pé no chão, ela disse que o general Abdel Fattah al-Sisi, líder do golpe, sabe controlar os islâmicos. No mês passado, a Irmandade foi declarada um grupo terrorista e proibida de participar da vida política egípcia.

O gesto da mulher refletiu entusiasmo pelo general Sisi, visto por muitos egípcios como salvador, apesar de que sua decisão de sufocar a Irmandade garante que o Egito permanecerá uma democracia incompleta (se é que será algum tipo de democracia), com uma parcela importante de seus cidadãos excluída do processo político. A Primavera Árabe fez brotar esperanças de que um processo modernizador pudesse ser combinado com a integração dos partidos islâmicos, gerando democracias que funcionam. O Egito é símbolo de como essas esperanças foram frustradas.

Uma nova Constituição, que toma o lugar da Carta aprovada sob o governo de Mursi, foi aprovada por uma maioria inequívoca na semana passada. O general Sisi provavelmente será candidato na eleição presidencial que terá que ocorrer em até seis meses. Se for, deve ser visto como favorito.

A Constituição patrocinada pelos militares demonstra como o Egito fracassou no intento de alcançar a unidade que esteve presente de modo passageiro no movimento para afastar Mubarak. Foi redigida por um comitê de 50 membros que incluiu apenas dois representantes de partidos islâmicos, espelhando os problemas ocorridos na redação da Constituição de Mursi, dominada por elementos islâmicos.

O papel da lei islâmica é limitado, e a liberdade religiosa e os direitos iguais das mulheres são reforçados. As convenções de direitos humanos ratificadas pelo Egito agora terão peso de lei. São mudanças bem-vindas. Por outro lado, os militares ganham o poder de aprovar os nomes escolhidos para ministro da Defesa nos próximos oito anos. O Exército recebe o direito de julgar civis em tribunais militares por uma grande gama de crimes, e o orçamento das Forças Armadas continua fora do âmbito da fiscalização civil efetiva.

Meu terceiro encontro, com um amigo liberal egípcio, me obrigou a refletir seriamente. Lembro de meu amigo na praça Tahrir, cheio de ódio da ditadura de Mubarak, aplaudindo o advento da democracia. Desta vez, ele me disse que não há alternativa à repressão de Sisi, que a Irmandade teria destruído o país e que, para seu próprio espanto, ele se viu favorável ao governo autoritário. A maioria dos liberais egípcios descreveu uma odisseia mental semelhante nos últimos três anos. Talvez não constitua surpresa, então, que os Estados Unidos e outras potências ocidentais tenham deixado de lado qualquer defesa vigorosa da democracia no Egito. Não podem desejá-la mais que os egípcios a desejam.

Mesmo assim, a aquiescência quase silenciosa do presidente Obama com o naufrágio de suas esperanças para o Egito é mais um sinal da virada para dentro após duas guerras de custo alto. Ela é mais um motivo para acreditar que a turbulência egípcia não chegou ao fim e que os turistas não vão retornar logo.


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