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New York Times

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Análise

Horrores da guerra em tuítes

Por DAVID CARR

As atualizações que recebo em minhas mídias sociais deram uma guinada sangrenta nas últimas semanas. Tenho visto corpos espalhados em campos e hospitais na Ucrânia e em Gaza. Tenho lido postagens de repórteres que se sentem ameaçados e horrorizados.

A geopolítica e a onipresença das mídias sociais fizeram o mundo encolher e se tornar um lugar aparentemente mais violento. Notícias sobre o saldo total de mortos surgem em nossos celulares, notícias no Facebook são repletas de apelos para agir em prol das vítimas, ao passo que o Twitter fervilha com reportagens, algumas feitas por profissionais e outras por cidadãos comuns, com cenas de caos.

Hoje não é mais preciso esperar o âncora de voz marcante entrar no ar e dar as notícias. Relatos de cidadãos são rapidamente amplificados por jornalistas. E os jornalistas que escrevem sobre o que veem muitas vezes postam no Twitter antes de consultar a Redação sobre a relevância de um determinado fato.

Testemunhar é a ferramenta mais antiga e talvez mais valiosa no arsenal do jornalista, mas torna-se algo diferente quando feito no calor do tempo real, sem pausa para reflexão. O testemunho sem edição é distribuído rápida e globalmente, e a reação pública é imediata. Com isso, os relatos se tornam mais viscerais e emocionais.

Correspondentes de guerra que chegam a uma zona de conflito agora fazem um levantamento rápido da situação.

A ausência das camadas convencionais do jornalismo -correspondentes transmitindo reportagens que são editadas para dar mais precisão ao texto- tem colocado vários jornalistas sob escrutínio, principalmente por reagirem prontamente ao que presenciaram. Ayman Mohyeldin, correspondente da NBC News, foi supostamente afastado de Gaza após postar no Twitter, com o hashtag #horror, sobre um ataque israelense que matou quatro meninos palestinos.

Hoje em dia, o público espera saber exatamente o que um repórter descobre a cada segundo, e empresas jornalísticas, a fim de ganhar mais destaque, pressionam seus correspondentes a usarem mídias sociais para relatar suas histórias.

Anne Barnard, repórter do New York Times que cobre o conflito entre Israel e a Palestina, foi criticada no Twitter por não tuitar. Mas ela vê valor jornalístico nesse serviço. Entrevistada na National Public Radio, Barnard disse: "Acho que, em geraI, o Twitter traz mais benefícios do que problemas, mas vale a pena salientar que nossa função básica é relatar o que estamos fazendo no local. Portanto, nosso trabalho não é tuitar em tempo real".

A capacidade do Twitter de transmitir informações visuais o torna ainda mais importante para a narrativa das notícias. Muitas vezes, uma única imagem passa a representar grandes acontecimentos.

Barbie Zelizer, professora na Universidade da Pensilvânia, diz que as mídias sociais não alteraram substancialmente o vocabulário de guerra. "Há mais fotos de mais pessoas, mas elas ainda têm a mesma finalidade, que é nos dar um olhar de relance, uma janela para o conflito", explicou.

Todavia, não é mais preciso aguardar esses momentos.

O ato de testemunhar, um fundamento das reportagens de guerra, foi democratizado e disseminado de novas maneiras. O mesmo dispositivo que porta fotos de seu novo animal de estimação também transmite notícias das frentes de guerra.

Muitas pessoas não conseguem deixar de olhar devido ao que a autora Susan Sontag chamou de "a sedução perene exercida pela guerra". Para Sontag, o efeito é certeiro.

"Fazer o sofrimento ter uma dimensão maior pelo fato de globalizá-lo pode incitar as pessoas a sentirem que deveriam 'se importar' mais. E também faz que elas sintam que os sofrimentos e infortúnios são tão vastos, irrevogáveis e épicos que não podem ser modificados por qualquer intervenção política local."

No entanto, parece que, à medida que uma guerra se torna uma atividade mais remota, as postagens têm grande importância. Quando bombas explodem, pessoas reais muitas vezes estão no lugar errado e na hora errada, sendo as mais sacrificadas. E dar testemunho das consequências dá sentido ao que nós vemos.


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