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Novos olhos para o cinema do Apartheid

Complexidades do passado sul-africano vêm à tona

Por NORIMITSU ONISHI

DURBAN, África do Sul - Desconhecido entre outros sul-africanos brancos, como ele, Tonie van der Merwe foi o cineasta mais apreciado pelo público negro sul-africano nos anos 1970 e 1980. Com a ajuda de subsídios do Apartheid criados para a produção de filmes exclusivamente para negros, com o conteúdo político e moral apropriado, ele criou cerca de 400 filmes. Na realidade, ajudou a criar o sistema.

Com tramas importadas de Hollywood, seus filmes atraíam multidões nas "townships" negras. Membros do movimento anti-Apartheid o rejeitavam, vendo-o como partidário do governo de minoria branca.

Em abril, porém, a emissora de TV nacional transmitiu cinco de seus filmes. Em julho o Festival Internacional de Cinema de Durban exibiu com destaque seu primeiro filme, "Joe Bullet", uma história inspirada nos filmes americanos do gênero "blaxploitation" que foi o primeiro filme sul-africano feito com elenco exclusivamente negro.

Em seguida, o governo provincial de Durban, liderado por negros, nomeou Van der Merwe um de quatro "heróis e lendas" e lhe deu o primeiro prêmio de sua vida. Depois de fazer seu discurso de aceitação, o cineasta disse: "Sem ser racista, achei que um homem branco não teria facilidade para receber um prêmio, mas me enganei. Achei que qualquer coisa anterior a 1990 não seria facilmente reconhecida pelo governo atual."

A reabilitação de Van der Merwe, 74 anos, talvez seja sinal de uma disposição saudável de começar a reconhecer as complexidades do passado sul-africano sob o regime do Apartheid.

Van der Merwe nunca fez oposição ao Apartheid. Mas seus filmes lançaram as carreiras de muitos atores e técnicos de cinema negros. Eles descreveram as vidas de negros, criaram heróis negros e levaram entretenimento às "townships" pobres, onde havia poucas opções.

"Estamos começando a ter uma distância suficiente da velha narrativa grandiosa de negros versus brancos para podermos rever documentos antigos como estes filmes", ponderou Keyan Tomaselli, crítico das políticas culturais do governo do Apartheid, também nomeado herói e lenda. "Nunca em meus sonhos mais desvairados eu imaginaria que pudesse dividir um palco com ele. Quer ele fosse ou não partidário do Apartheid, era assim que o enxergávamos."

Van der Merwe era dono de uma construtora quando, em 1970, investiu em filmes para plateias negras.

Seu primeiro trabalho, "Joe Bullet", foi proibido. Os censores não toleraram o elenco inteiramente negro e o fato de o protagonista do filme ter um carro esporte e uma arma. "Naquela época, a ideia de um negro possuir uma arma de fogo era tabu", disse Van der Merwe.

Seus filmes subsequentes passaram pela censura e chegaram a ser subsidiados pelo governo. Mesmo assim, disse Peter Machen, gerente do festival de cinema de Durban, "mostraram pessoas negras como seres humanos de verdade, dotados de vida interior".

Innocent Gumede, 52, atuou em muitos dos filmes. "Houve muitas consequências imprevistas", comentou. "Viramos astros entre a população negra. Quando brancos atuam em filmes, é porque são deuses. Eles são os heróis, enquanto nós somos nanicos, somos negros e nada mais. De repente, negros passaram a ser heróis, também."

"Tonie é um ícone que aconteceu por acidente", concluiu.


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