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New York Times

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Moradores da Sicília socorrem imigrantes, vivos ou mortos

Por JIM YARDLEY

POZZALLO, Sicília - Os 18 caixões estavam colocados em fileiras quando o prefeito e outros dignitários se acomodaram no cemitério no topo da colina.

Um vigário católico leu a homilia. Um imã muçulmano ajoelhou-se em oração, e sua voz se ergueu sobre os mausoléus em direção ao azul do Mediterrâneo.

Eles tinham vindo para enterrar estrangeiros. Nos caixões estavam os corpos de africanos que morreram em agosto, recolhidos dos barcos de contrabandistas que os transportavam do continente vizinho para a Europa.

Oito caixões tinham placas que diziam simplesmente "Desconhecido" em italiano. "O oposto do amor não é o ódio, mas a indiferença", disse o monsenhor Angelo Giurdanella.

Ninguém poderia acusar Pozzallo de indiferença. Esta pequena cidade da Sicília, como a própria Itália, enfrenta dificuldades na crise de imigração no Mediterrâneo, que já teve 120 mil pessoas resgatadas por navios italianos este ano, quase o triplo da quantidade do ano passado.

Quase 2.800 morreram em naufrágios ou em trânsito, aumento de quatro vezes em relação a 2013.

"Há um rio de pessoas chegando", disse Daniele Carrozza, que dirige um dos muitos centros de acolhimento na Sicília que abrigam imigrantes, entre eles milhares de menores desacompanhados. "Nos próximos anos teremos um aumento exponencial."

Até três anos atrás a Europa agia principalmente para conter os barcos de imigrantes, conforme navios italianos e os da agência de fronteiras da Europa (Frontex) seguiam a tática de "empurrar de volta" ao longo da costa da Líbia. Mas a eclosão da Primavera Árabe em 2011 mudou a estratégia, assim como as atitudes do público.

Ondas de refugiados que arriscavam a vida para chegar à Europa provocaram a simpatia global. Em resposta, a Itália suspendeu as operações de contenção. Em 2012, uma decisão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos proibiu a Itália de manter essa prática.

"Não podemos ter pessoas que fogem da guerra - crianças, pais, mães - se afogando à vista da Europa", disse Leonard Doyle, porta-voz da Organização Internacional para Migração, baseada em Genebra, na Suíça. "Simplesmente isso não é aceitável."

Depois de um naufrágio em outubro passado, em que mais de 300 migrantes morreram a poucas centenas de metros da ilha italiana de Lampedusa, o governo anunciou a criação do Mare Nostrum, seu programa de busca e resgate marítimo.

Com líderes italianos pedindo ajuda, as autoridades europeias anunciaram em agosto que a Frontex seria ampliada em novembro para incluir iniciativas de resgate. Mas poucos detalhes foram fornecidos.

Ao longo da costa sudeste da Sicília, pequenas cidades abriram centros de acolhimento, incluindo uma escola abandonada em Augusta que hoje abriga rapazes e adolescentes desacompanhados.

Muitos deles deixaram Gâmbia, Gana e até Bangladesh para trabalhar como migrantes na Líbia, rica em petróleo. Mas quando a Líbia mergulhou na anarquia eles temeram por suas vidas.

"Eles podem matá-lo a qualquer momento, qualquer segundo", disse Ibrima, um jovem de 17 anos de Gâmbia que trabalhou na Líbia antes de pagar a contrabandistas para levá-lo à Itália em agosto.

Perguntado por que ele deixou originalmente a Gâmbia, no oeste africano, Ibrima levantou a camisa e mostrou uma cicatriz.

Disse que seu pai tinha duas mulheres e a segunda, enciumada da mãe de Ibrima, lhe atirou óleo fervente. "Agora este é o meu país", disse ele sobre a Itália. "Quero ficar aqui."

Em Pozzallo, o prefeito Luigi Ammatuna e sua chefe de gabinete, Virginia Giugno, passam a maior parte do tempo lidando com as tarefas burocráticas e emocionais da imigração na cidade.

Giugno, que tem dois filhos, hoje está registrada como guardiã legal de todos os cerca de 150 menores de 18 anos desacompanhados que chegaram pelo mar a Pozzallo.

"Não posso imaginar o que as mães e os pais passam quando colocam um menino de 11 anos em um barco e dizem 'boa sorte'", disse ela. "Eles sabem que nunca mais os verão, que eles podem morrer no mar."

A morte tornou-se uma das rotinas burocráticas da cidade. O recente funeral em Pozzallo foi realizado ao ar livre porque havia corpos demais para caberem na pequena capela do cemitério.

Junto com as autoridades estavam algumas dezenas de moradores, incluindo Claudia Scala, 42, que se sentiu compelida a participar porque as famílias dos migrantes não estariam lá.

"Essas pessoas não têm ninguém", airmou a moradora. "Então eu pensei: 'Pelo menos podem ter a mim'."

Colaboraram Gaia Pianigiani, com reportagem de Pozzallo e Augusta, Itália, e Lynsey Addario, de Pozzallo


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