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Celso Limongi
TENDÊNCIAS/DEBATES
Os percalços históricos do STF
Para evitar constrangimentos como o do caso do mensalão, a nomeação de ministro do Supremo não deve ficar nas mãos do presidente
Uma competência importante do Judiciário está na possibilidade de interferir diretamente nos espaços reservados aos Poderes Legislativo e Executivo, sendo-lhe lícito exercer até o controle das políticas públicas.
Seu peso político, impondo limites aos demais Poderes, é, pois, maior, impedindo-os de atuar com discricionariedade plena. E do Supremo Tribunal Federal, de sua presença firme e decidida, muito dependem as instituições políticas no Brasil, cabendo-lhe papel magno no concerto dos demais Poderes, como ensinou Seabra Fagundes.
Em contrapartida, como lembra Habermas, as decisões judiciais precisam ser plenamente justificadas. Os juízes devem fundamentar as avaliações e valorizações a que procedem ao longo de um processo, para que a decisão seja aceita pela comunidade jurídica. Não significa que os juízes governem, pois as forças políticas estão fora de seu controle.
Tal situação cria tensões entre o Judiciário e os demais Poderes. Nesta década, como o Congresso Nacional se omite em legislar sobre temas sensíveis como relações homoafetivas, aborto, células-tronco, o Supremo decidiu a respeito, com base na Constituição Federal, à míngua de lei. Até em assuntos interna corporis do Legislativo, como a exclusão da cláusula de desempenho para partidos políticos, o Supremo não trepidou em decidir.
Em represália, o Legislativo propõe a PEC (proposta de emenda constitucional) 33, estabelecendo que as decisões emanadas da corte excelsa poderão ser revistas pelo Congresso Nacional, manobra que se converteria em verdadeira subversão da ordem constitucional e mortal golpe contra a democracia, deixando o Supremo de ser supremo.
Por isso, é de repensar a questão da seleção de candidatos a ministro, evitando-se constrangimentos como a nomeação de um médico para o STF --o que ocorreu na presidência de Floriano Peixoto-- e o que assistimos no caso mensalão.
O legislador deve raciocinar como um enxadrista, prevendo, com a máxima antecedência possível, seus lances e os do adversário. Precisa ser previdente e, assim como a lei não quer que juízes vinculados às partes atuem no processo e os exclui, a nomeação de ministro do Supremo não deve ficar exclusivamente nas mãos do presidente da República.
Hoje, a seleção de ministros começa com a indicação pelo chefe do Executivo. Depois, o candidato indicado se submete a uma sabatina "para inglês ver" no Senado Federal, que chancela a indicação.
O ministro, uma vez nomeado, e embora grato, deve desvincular-se da autoridade nomeante. Contudo, ainda que o atue com a maior lisura, se sua decisão coincidir com os interesses do Executivo, a sensação é de que, grato à autoridade que o nomeara, pagou um favor.
Por tal circunstância, seria preciso retirar do Executivo essa exclusiva indicação, para obviar a sensação de suspeição. Poder-se-ia abrir uma lista de candidatos, com um leque de eleitores: presidente do STF; do Superior Tribunal de Justiça; indicados pelo Senado Federal e Câmara Federal; o procurador-geral da República; o presidente da Ordem dos Advogados, ou outros, a pensar. Uma lista tríplice seria levada à Presidência da República.
O estabelecimento de mandato, equivalente a quatro ou cinco mandatos de deputado, seria saudável. Após esse período, o ministro deixaria o cargo, porquanto, depois de tanto tempo, ele poderia não mais representar as forças políticas que participaram de sua nomeação. Como ministro indicado também pelos já mencionados representantes, incluindo o Legislativo e Executivo, teria maior legitimidade para interpretar a lei, em face dessa espécie de eleição indireta pelo povo.
O presidente da República, pelo atual sistema, pode influir diretamente na composição do STF, seja nomeando ministros, seja postergando suas nomeações, e assim obter resultado que lhe interesse. O aperfeiçoamento do sistema é urgente!