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Vladimir Safatle

Viver de herança

Eis mais um capítulo do "Maravilhoso Livro Onde se Narram os Deleites de Ser Rico em Solo Brasileiro".

Em um estranho país, não muito distante daqui, quando as pessoas morrem e deixam heranças, seus descendentes precisam pagar impostos que, caso o indivíduo seja muito rico, podem chegar a 40% do valor total dos bens.

O raciocínio por trás da taxação pode ser compreendido até mesmo por um liberal. A partir de um certo limite, mesmo os defensores da chamada "meritocracia" reconhecem que deixar herança não passa de uma forma de perpetuar desigualdades e estimular a criação de uma classe parasitária de rentistas. Melhor usar esse dinheiro para financiar serviços públicos ou obrigar empresas a abrir fundações baseadas em filantropia.

Esse estranho país onde o Estado pode levar até 40% de sua herança não é uma república comunista que faria parte, juntamente com a Coreia do Norte, Cuba, Venezuela, Baal e Belzebu, do Império do Mal. Trata-se dos Estados Unidos da América, do qual suponho que todos já ouviram falar.

Já em terras brasileiras, o máximo que acontecerá é ter de pagar o Imposto sobre Transmissão, Causa Mortis e Doação (IPCMD) que varia de Estado a Estado, mas que normalmente não passa de 4%.

Aqui, nenhuma necessidade de abrir fundações e partilhar sua fortuna.

Dessa forma, o desenvolvimento produzido no Brasil não circulará, mas irá parar sempre nas mãos das mesmas famílias especializadas em "fazer negócios" (normalmente com benesses estatais) e passar heranças para seus filhos que poderão, se quiserem (e normalmente eles preferem que assim seja), viver de rendas explorando aluguéis de uma rede infindável de imóveis.

O Brasil tem um desafio decisivo para seu futuro: criar um segundo ciclo de políticas de combate a desigualdade por meio da consolidação de serviços públicos gratuitos e de qualidade.

Outros países latino-americanos passam atualmente por desafios semelhantes, como o Chile. O mesmo Chile que discute hoje como fazer os ricos e as grandes fortunas pagarem serviços para os mais pobres.

No entanto, os discursos eleitorais que atualmente circulam no Brasil, em vez de apresentarem propostas de como financiar mais escolas e hospitais públicos, parecem competir para ver qual é o mais amigável ao mercado e desconectado em relação ao descontentamento popular.

Talvez porque, entre os que pensam tais discursos existam pessoas que acham tão normal "viver de herança" que não passa pela cabeça deles que o país seria mais justo se adotasse práticas de partilha que já mostraram sua utilidade na história.


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