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Opinião

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Anna Veronica Mautner

TENDÊNCIAS/DEBATES

A humanidade é contagiante

Porque demoramos a crescer e a nos tornarmos adultos, damos tempo para uma complexa divisão do trabalho e especialização de tarefas

Fosse eu antropóloga, diria que quero escrever sobre transmissão e difusão não só de conhecimento, mas especialmente de hábitos, costumes e formas de comunicação que regem as relações entre grupos, nações, gerações que habitam a Terra.

Quero falar sobre como aprendemos a ser o que vamos nos tornar para constituir famílias, grupos, nações ou o mundo todo. Não é sobre o teorema de Pitágoras ou sobre uma língua estrangeira que estou escrevendo aqui, e sim sobre a maneira que vivemos e nos relacionamos, inclusive com o nosso próprio corpo.

Onde, como e quem ensina as crianças a limpar o nariz? Cada grupo tem seu jeito, mas todos os membros de todos os grupos expelem os resíduos do corpo. E estes são levados a uma certa distância do centro de convivência. Escondemos os detritos, como se fôssemos envergonhados de ter um corpo que gera resíduo. Não há no Google referência a qualquer grupo que organize a acumulação dos seus detritos orgânicos por perto e sem qualquer ritual. As fezes, o catarro, a urina nunca ficam no "centro", estão sempre à margem.

Detritos são jogados fora. Fora do corpo, fora de casa, fora da aldeia, fora da cidade. Nossos lixões estão sempre à margem das áreas povoadas. Até muito pouco tempo atrás, mas pouco mesmo, quase todo lixo era orgânico --vegetal ou animal. Os restos minerais passam por outros processos, uma vez que sua deterioração é diferente. Desfazem-se.

Sei que estou falando do óbvio, mas eu gosto de sublinhar --no óbvio-- o que ele tem de oculto. Muito antes de conhecermos a dinâmica do apodrecimento dos animas e vegetais, isto é, muito antes de entrarmos em contato com a ideia de bactérias, já sabíamos que alguns poucos "podres" mereciam ser guardados. A coalhada, o queijo, certas carnes preservadas tornam-se os embutidos, que duram e para os quais esse passar do ponto cria delicadezas ou delicatessens.

Guardar alimento nos leva a formas seculares de sabedoria. Na área de alimentação, promover e controlar a transformação é marca de cada civilização. Não dá para todos os membros de um grupo dominarem todos os ofícios e saberes relativos à nossa sobrevivência. É a tal divisão de trabalho, que começou lá atrás com a mulher na caverna cuidando do fogo e o homem trazendo a caça. Aquela que cuidava do fogo era quem cuidava dos nenês e das crianças. A mãe ficava na caverna. A lentidão do tempo da reprodução e do amadurecimento do bicho homem é a raiz da divisão do trabalho e, portanto, da civilização. Porque demoramos a crescer e a nos tornarmos adultos, damos tempo para uma complexa divisão do trabalho e especialização de tarefas. Tivemos longo tempo de caverna.

A própria ciência, da qual tanto nos orgulhamos, nasce lá na caverna, provavelmente observando a diferença entre a brasa e a labareda, por exemplo, e vem evoluindo até os computadores. A história é o relato do contato do homem com o homem ao longo do tempo. Socializados que somos, estamos aqui fazendo história. Por quê? Porque vivemos.


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