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Opinião

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Horacio Lafer Piva

Vida longa ao exemplo

Antônio Ermírio não juntava dinheiro, punha-o a trabalhar. Sua fortuna era a relevância, não a materialidade. Era discreto em suas boas ações

Encontro-me no intervalo de uma reunião de conselho. Imaginei ser este um bom momento para lembrar Antônio Ermírio de Moraes, prestando-lhe, portanto, uma homenagem na forma e no momento certos. Ele preferiria, sem dúvida, que eu estivesse no chão da fábrica e, se possível, em frente a uma linha de metalurgia, mas, de qualquer maneira, apreciaria um texto temperado com trabalho.

Antônio foi um homem de natureza simples, mas de definição complexa. Franco, direto, honesto consigo próprio, se causava algum estremecimento em seu interlocutor isso se dava muito mais pelo respeito e reputação icônica do que pela forma amigável com que a todos se dirigia. Contudo, era alguém muito além da imagem de workaholic, de patrono, de gestor, de despojado, de excêntrico. Era isso tudo e muito mais. Um personagem presente no inconsciente coletivo da sociedade brasileira com um tanto do que cada um gostaria de representar.

Antônio era um homem de trabalho. Chegava cedo, saia tarde, lia tudo, registrava números como ninguém, tinha a intuição de verdadeiro líder e empreendedor. Suas visitas aos sábados no escritório da praça Ramos ou às unidades industriais eram tão certas quanto eficazes. A assustadora pilha de papeis sobre sua mesa diminuía nos fins de semana. Era focado no fundamental.

Antônio era um homem da família. Grande, solidária a seu estilo, orgulhosa da origem. Falava com respeito dos pais, dividia a responsabilidade dos ativos econômicos e reputacionais com os irmãos e cunhado, entendeu a necessidade de preparar a sucessão, defendia o direito de cada um dos filhos e sobrinhos à felicidade.

Antônio era um homem desprendido. Usava, sim, ternos antigos, mas sua marca era o hábito das mangas de camisas, algumas canetas, a despreocupação com o entorno, com o supérfluo. Não juntava dinheiro, punha-o a trabalhar. Sua segurança pessoal era seu enorme sorriso. Sua fortuna era a relevância, não a materialidade. Generoso, amigo dos amigos, discreto em suas centenas de boas ações.

Antônio era um homem de gestão. Além de trabalho, geria. Ver, por exemplo, o Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo e enxergá-lo nos tijolos, nas pessoas, na operação e na eficiência, mostra bem o que fazia com seus muitos talentos e energia. Por fim, Antônio era um homem como qualquer outro, com suas expectativas e frustrações.

A privatização da Companhia Vale do Rio Doce, em 1997, em que articulações surpreendentes e uma pequena diferença de preço o fizeram perder uma joia da coroa, e a campanha política ao governo do Estado de São Paulo, em 1986, quando a decepção com a prática e as pessoas o feriram definitivamente, são exemplos conhecidos em que sua dor, pública, fez com que ele se aproximasse ainda mais de todos.

Por outro lado, as leituras de suas peças ainda antes de encenadas, sua excitação com a oportunidade da mensagem no palco e nas colunas desta Folha o faziam um momentâneo e adorável adolescente.

A Klabin foi sócia da Votorantim na Nitroquimica. As famílias são amigas desde sempre e fomos vizinhos de prédios germinados no centro de São Paulo por décadas.

Aponto a virtude socioeconômica de ver ambos os grupos sólidos, centenários, perseverantes em provar o valor do compromisso de longo prazo de famílias acionistas envolvidas por gerações em seus negócios, nos quais tudo muda, exceto cultura e responsabilidade com criação de valor.

Tive o privilégio, além de contar com seu apoio e conselhos desde cedo, de dividir caminhadas nos arredores da rua Formosa, no centro de São Paulo, admirando suas percepções e me divertindo com sua fama de "pop star", enquanto constrangido lidava com diversos pedidos de autógrafos. Por causa desses passeios, minha reputação de amigo do dr. Antônio me ajudou por anos junto aos taxistas da área...

Figura extraordinária! Numa época em que há um deficit de lideranças, sua história faz toda a diferença. Que honre a nossa geração e ilumine as próximas. Grande Antônio Ermírio.


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