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Iluminar o lobby
São pertinentes as declarações do advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, a favor da regulamentação do lobby no Brasil.
Em entrevista à Folha e ao UOL, Adams afirmou que a atividade pode se tornar "um sistema de qualificação das demandas da sociedade". Propostas dos mais variados setores seriam encaminhadas ao Estado de maneira transparente, por meio de pessoas tecnicamente qualificadas.
A simplicidade da explicação deveria incomodar quem teima em ver com desconfiança a defesa legítima de interesses, fazendo associação imediata entre essa iniciativa e a corrupção. Nada mais contraproducente: criar regras para grupos de pressão é, na verdade, uma forma de combater os crimes contra a administração pública.
Faz parte do jogo democrático que agentes particulares procurem membros do poder público para expor argumentos em prol de seus interesses. Esse processo, como demonstra a experiência, independe de lei para ocorrer na prática. Fingir que ele não existe em nada contribui para a fiscalização.
A opacidade beneficia os atores corruptos. Dada a ausência de normas, eles podem se travestir de lobistas e manter nas sombras sua verdadeira natureza. Como separar, hoje, quem faz pressão legítima sobre agentes públicos de quem os procura para oferecer propina? Lembre-se que a Polícia Federal apontou um esquema de tráfico de influência dentro da própria Advocacia-Geral da União.
Os benefícios da normatização do lobby são atestados por países com tradição na área, como os EUA. O sistema político não fica livre de escândalos, mas os espaços para corrupção se estreitam quando os atores são conhecidos, e suas atividades, transparentes.
Uma lei que regulamentasse a prática deveria, além de definir lobby e lobista, criar mecanismos que garantissem a identificação dos agentes, bem como de seus contratantes e interesses. Também seria importante estabelecer padrões para as negociações, assegurando a publicidade da atuação e do registro dos encontros.
Com fronteiras bem delimitadas, torna-se mais fácil reconhecer comportamentos anômalos e punir os envolvidos.
Apesar das vantagens de iluminar as interações entre o setor privado e o Estado, não há sinais de que o Congresso esteja interessado nisso -projetos de lei sobre o tema tramitam, sem sucesso, desde 1990. Talvez seja esse, afinal, o maior indício de que a regulamentação do lobby representaria verdadeiro golpe nos interesses escusos.