Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria
Análise
Judiciário é a última barreira contra a restrição crescente a direitos indígenas
MARCELO LEITE DE SÃO PAULOO Brasil atravessa uma fase revisionista do direito dos indígenas sobre suas terras. Sem nunca ter cumprido totalmente as disposições generosas da Constituinte de 1988, setores de peso no Legislativo e no Executivo se empenham em restringi-las.
O artigo 231 da Constituição se filia a uma tradição que teve sua maior expressão na pessoa do marechal Cândido Rondon (1865-1958). Diz o texto: "São reconhecidos aos índios (...) os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens".
A expressão chave do texto é "direitos originários", apenas reconhecidos (e não outorgados), pois antecedem a própria Constituição. O poder público fica obrigado a demarcar e homologar as terras que satisfaçam os requisitos constitucionais.
O art. 67 das disposições transitórias, além disso, estipulava que a União concluiria as demarcações em 1993. Vinte anos depois, o processo segue inconcluso.
Nesse intervalo, o agronegócio brasileiro cresceu exponencialmente. No primeiro semestre deste ano, o setor registrou um superavit comercial de US$ 50 bilhões (contra um deficit de US$ 3 bilhões na economia toda).
Em paralelo, decresceu a velocidade de homologação das terras indígenas. O governo Collor decretou-as no ritmo de 8.800 km² por mês, que caiu para 4.290 km² mensais nos dois mandatos de FHC.
Lula pisou no freio e fez 1.960 km² ao mês. Dilma Rousseff quase parou, com 720 km² mensais (a área de meio município de São Paulo) até abril, segundo o Instituto Socioambiental.
Além da influência crescente de políticos ruralistas no Congresso e no Planalto, contribuiu para a desaceleração que boa parte das terras indígenas ainda por demarcar se ache em regiões mais litigiosas do país, como o Sul e áreas do Centro-Oeste.
Homologar em 1992 os 94 mil km² da terra ianomâmi, uma área no meio de nada maior que Portugal, foi mais fácil que ampliar, hoje, áreas guaranis em Mato Grosso do Sul com menos de 40 km², ocupadas por fazendeiros.
Só o Judiciário parece hoje capaz de dar solução razoável para o conflito vestigial. Se não tardar demais.