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Coronel que confessou ter torturado é morto no Rio

Comissão da Verdade suspeita de 'queima de arquivo' e pede investigação da PF

Segundo mulher de militar, ele foi morto asfixiado por três homens que entraram pela janela de sua casa

BERNARDO MELLO FRANCO ITALO NOGUEIRA MARCO ANTONIO MARTINS DO RIO

Um mês depois de admitir à Comissão Nacional da Verdade que torturou e matou presos políticos na ditadura militar, o coronel reformado Paulo Malhães, 76, foi assassinado anteontem em sua casa em Nova Iguaçu (RJ), na Baixada Fluminense.

Ele morreu asfixiado, segundo a polícia. O corpo foi encontrado de bruços, no chão de um cômodo, com a cabeça afundada em um travesseiro. O oficial vestia calça jeans, camisa social e estava descalço.

Da casa foram levados dois computadores, um aparelho de som, R$ 700, algumas joias e três armas. A polícia suspeita que nos computadores pudesse haver nomes de outros militares que atuaram na repressão.

O coordenador da CNV (Comissão Nacional da Verdade), Pedro Dallari, pediu ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que a Polícia Federal acompanhe as investigações. O ministro concordou e ofereceu ajuda ao secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame.

A CNV suspeita que Malhães tenha sido vítima de queima de arquivo para não incriminar outros agentes da ditadura militar.

"É um fato muito grave. A possibilidade de a morte do coronel ter ligação com seu depoimento é muito grande", disse Dallari à Folha. "O crime pode ter tido a finalidade de queima de arquivo, para impedir que ele continuasse a falar, ou de intimidação, para impedir que outros falem."

O delegado Fabio Salvadoretti, da Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense, disse não descartar nenhuma hipótese.

"Consideramos até latrocínio, uma vez que foram levados vários pertences da vítima. Também pode ser vingança pelo depoimento prestado na Comissão da Verdade. A investigação está apenas começando" afirmou.

A mulher do coronel, Cristina Batista Malhães, disse à polícia que o casal foi rendido quando chegava em casa, por volta das 13h de anteontem, por três homens armados --um deles encapuzado.

Os invasores teriam arrombado uma janela basculante na cozinha para entrar na casa, em Marapicu, localidade rural de Nova Iguaçu.

Segundo a mulher, estavam armados, ameaçaram o casal e perguntavam por joias e dinheiro. Os latidos do cachorro da família chamaram a atenção do caseiro. Ele entrou e também foi rendido.

Cada um foi levado para um cômodo e ficou sob a guarda de um invasor. Cristina e o caseiro foram amarrados. Ela contou que durante todo o tempo o criminoso mandava que ficasse de cabeça baixa, sem olhá-lo.

Segundo a mulher do coronel, os três homens deixaram a casa por volta das 22h. Ela disse que conseguiu se soltar e chamou a polícia. Exames iniciais no corpo de Malhães indicam que ele morreu por volta das 15h30.

Cristina Malhães afirmou que o marido não tinha recebido ameaças depois de falar à CNV, em 25 de março. Ele não pediu proteção policial e continuou a viver no imóvel, em um bairro afastado de Nova Iguaçu, onde não há iluminação pública e há poucas casas ocupadas --o vizinho mais próximo do casal ficava a cerca de 200 metros.

REVELAÇÕES

O depoimento do coronel à Comissão Nacional da Verdade impressionou pela descrição minuciosa dos crimes e pela ausência de qualquer sinal de arrependimento.

Ele relatou sua passagem pela chamada Casa da Morte de Petrópolis, na região serrana do Rio, um centro clandestino de tortura onde cerca de 20 presos políticos teriam sido assassinados.

Sem demonstrar remorso, defendeu a tortura como método de investigação e explicou como mutilava cadáveres de presos para evitar que fossem identificados.

Embora tenha se declarado disposto a colaborar com as investigações, Malhães se recusou a informar a identidade das vítimas e de outros agentes da repressão.

Ele disse ter recebido ordem do CIE (Centro de Informações do Exército) para ocultar a ossada do ex-deputado Rubens Paiva, morto em 1971. Mas afirmou não ter executado a tarefa, contrariando o que dissera antes aos jornais "O Dia" e "O Globo".

A CNV ainda tinha esperanças de obter mais informações do coronel.

"Ele ainda não tinha contado tudo o que sabia. Se tinha detalhes dos acontecimentos, também sabia os nomes das pessoas envolvidas neles", disse Pedro Dallari.


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