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J. P. Cuenca

Enciclopédia de bares do mundo - Vol. 1

Quando um estrangeiro escolhe um bar, aquele que lhe sorri, toma para si uma cidade desconhecida

O estrangeiro só começa a tomar para si uma cidade quando escolhe seu bar. Não o estabelecimento da moda ou contemplado pelo guia turístico, mas o balcão que lhe sorri na cidade desconhecida. Apresento aqui parte da pesquisa que tomou grande parte do meu tempo, saúde e recursos materiais. Continua na próxima coluna.

Tóquio -- O Mother Rock Bar fica numa ruela iluminada do labirinto de Kabukicho, bairro-tabuleiro-de-fliperama que é o centro do comércio ilícito da cidade. Descobri o bar ao ouvir a música cuspida por uma escadinha estreita e desci ao subsolo. O minúsculo bar, onde devem caber umas dez pessoas, é tão escuro que o cardápio vem com uma lanterna. Junto à seleção de bebidas há um amplo menu com metal, trash, indie etc. Você pede o drinque com a música que quer ouvir. E aí, a maravilha: o som é tão ensurdecedor que é impraticável manter uma conversa. A comunicação entre seus calados e randômicos frequentadores se dá através das músicas que escolhem, numa espécie de batalha de gosto musical. Certa noite, expulsei um jovem que estava ouvindo Metallica insistindo em Radiohead. Vai até às 5 da manhã, todos os dias. Como chegar? Esse vídeo mostra o caminho: http://goo.gl/FzJFma. Os próximos volumes desta enciclopédia contemplarão outros bares estrelares de Tóquio como o Hartford Cafe, com música folk em vinil e uísque, e o legendário La Jetée, na Golden Gai.

Porto Príncipe -- Bares de hotel estão sempre na mira, e na capital do Haiti está o mais emblemático deles. O fantasmagórico hotel Oloffson fica num edifício gótico francês do final do século 19, imortalizado no romance de Graham Greene, "Os Comediantes", com o nome de Trianon. Se no livro-denúncia o hotel parece mesmo assombrado (não por fantasmas, e sim pelos Tonton Macoutes dos anos Duvalier), numa noite de quinta-feira o clima é de festa ao som de mizik rasin. O som, uma atualização da música voodoo, é comandado pela banda RAM do pastor Richard Auguste Morse, dono do hotel desde 1987. O bar apinhado oferece, quando se consegue chegar ao balcão, um refresco para o transe sob as constantes borrifadas de perfume. Durante a festa, esqueça qualquer drinque (vai demorar) e crave uma Prestige geladíssima sob o enorme espelho que adorna o bar. Em tempos em que nossas cervejas viraram refrigerantes alcoólicos de milho, a Brasserie Nationale D'Haiti, dona de 98% do mercado, oferece o exemplo de um produto popular de qualidade. Numa parte da cidade ainda na zona vermelha da ONU, dá pra tentar esquecer por um momento da questionável atuação dos organismos internacionais e do cenário de destruição do lado de fora.

Nova York -- O Milano's é um dos bares mais sujos e escuros do Soho. É um buraco com um balcão comprido, meia dúzia de tipos de chope, jukebox no fundo e paredes tomadas por fotos de antigos frequentadores. Pela moda que nelas se encontra, o apogeu do bar foi numa gaveta esquecida dos anos 80. Por que está na minha enciclopédia? A doce expectativa do reencontro. Vi a Scarlett Johansson por lá no meio de um transe alcoólico de uma madrugada de terça-feira mais ou menos distante. Sempre voltei. Um belo motivo para ser fiel a um bar feio.


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