Angústia sobre carreira é permanente, diz Rodrigo Santoro em Sundance

Crédito: Divulgação Rodrigo Santoro em 'Un Traductor
Rodrigo Santoro em 'Un Traductor'

FERNANDO GROSTEIN ANDRADE
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM PARK CITY

Depois de produções hollywoodianas faladas em inglês, como "300" e "O Golpista do Ano", filmes brasileiros como "Carandiru" e "Bicho de Sete Cabeças", e ainda de atuar em italiano e espanhol, chegou a vez de Rodrigo Santoro se dedicar a um idioma mais desafiador: o russo.

Em "Un Traductor", em exibição no Festival Sundance, ele interpreta um professor de literatura chamado para traduzir do russo para o espanhol. A história se passa em Cuba, em 1989, quando a ilha de Fidel recebeu as vítimas da tragédia de Chernobyl.

Além de passar pelo crivo da língua, o ator teve que passar por um olhar ainda mais desafiador e íntimo dos diretores: ele estava interpretando o pai deles. Longa de estreia dos diretores cubanos Rodrigo e Sebastián Barriuso, "Un Traductor" é uma das apostas da competição.

A íntegra da entrevista também estará disponível no YouTube, na terça (23), às 19h.

Folha - Como foi que os diretores te escalaram?
Rodrigo Santoro - Fiquei intrigado com a escolha. Perguntei: "É um professor cubano de literatura russa, metade do filme é falado em espanhol e metade em russo. Por que procuraram um brasileiro?". Explicaram que não conseguiram encontrar um ator que falasse espanhol e russo, e eu já tinha feito filmes em espanhol. [Disseram:] "A gente viu você fazendo 'Che', vimos várias entrevistas suas, a gente tem um 'physique' na cabeça e viu você. E qualquer ator que fale espanhol vai ter que aprender russo".

Chegou a fazer aulas de russo?
Muitas. Claro que não tinha tempo para aprender russo, então tive que estudar as falas para ter noção da língua. E aí eu estava entendendo que eu não estava entendendo nada (risos). Fiz um mapa fonético. E foi em cima disso que estudei. Acordava à noite falando coisas estranhas, achava que era russo.

Adoro o desafio de trabalhar e aprender em outra língua. É frustrante porque você não tem a mesma liberdade que você tem na sua própria língua. Alguma coisa acontece no seu cérebro e isso reverbera no seu corpo. Quando falava em russo o tom da minha voz mudava, até o corpo mudava. Era estrangeiro à minha realidade.

Robert Redford falou que Sundance quer ampliar a representatividade para além de Hollywood. Como foi sua primeira vez aqui?
Sundance é o berço do cinema independente, ilumina vozes e projetos. A iniciativa é do Robert Redford, que as pessoas conhecem como ator, mas ele é um ativista do cinema independente.

Teve algum momento que foi ponto de virada na sua carreira? Foi o "300", "Bicho de Sete Cabeças","Carandiru"...?
É difícil citar um.

Em algum momento da sua carreira você disse: 'Embalei'? Ainda tem essa angustia?
Essa angustia é permanente. Independe da profissão que você está fazendo. É claro que o ator é um atormentado. E não acho que isso é negativo. Não acho que existe isso de "agora me estabeleci", até porque nada é permanente. A única coisa permanente é a constante transformação. Estou sempre querendo me aprimorar. Senão, fico com preconceito das coisas. Quando você faz trabalho de pesquisa, seu olhar se expande, você começa a se humanizar. É o mais rico desta profissão.

Como é a curadoria para você escolher seus personagens?
O processo é 70% instintivo. É química. É o que aconteceu com este filme. Tinha planejado viajar para surfar e tinha encontrado todos os motivos para sabotar a ideia. Como assim, falando russo? E a história é muito forte, das crianças que desenvolveram leucemia por causa de Chernobyl, e quando chegaram no hospital, só falando espanhol, não conseguiam se comunicar. Lembro de ler e dizer "estou achando que essa viagem de surfe vai dançar".

Como foi o processo de apostar nestes diretores?
Vi o curta que o Rodrigo fez. E é lindo. É a história de um menino que tem síndrome de Down e está descobrindo sua sexualidade. Uma história difícil de ser contada. Fiquei duas semanas tentando sabotar a ideia, porque queria descansar, mas o roteiro ficava ressoando na minha cabeça, e achei melhor me entregar.

Quantas semanas de filmagem? Equipe era de onde?
Foram cinco semanas, equipe cubana. Já tinha estado lá, fazendo laboratório para o "Che", fiz amigos, mas não podia filmar lá. Dessa vez trabalhei lá, com os cubanos. Cuba é muito contraditório.

Curiosidade de diretor: tem sempre o pavor do sem dinheiro, as horas da equipe começam a acabar... Como era?
Era difícil.

Não é só no meu set?
Não.

Ufa.
Todo filme com orçamento controlado passa por isso. Quando se está filmando com luz externa, e a luz vai cair.

O cachorro late...
Aquele desespero! E se vira! E é justo o momento mais importante. E você tem um "take" só para fazer. Lembro quando fiz meu primeiro filme, o "Bicho de Sete Cabeças".

Não consigo descrever o quanto este filme me marcou.
Quando você perguntou o ponto de virada, o "Bicho" foi o divisor de águas. A Laís [Bodanzky, diretora] tinha uma salinha com latinhas de negativo: "Está vendo aquelas latinhas ali? Estão contadas. Isso significa que para a sequencia que vamos fazer hoje, só temos três tentativas".

Ou seja, "não f..., Rodrigo".
Não estraga tudo (risos). Claro que ela falou no maior amor, mas pressão total. Ao mesmo tempo isso trazia um tônus. E a gente trabalha a partir disso. Por isso Sundance é um festival para o qual todo mundo quer vir. Porque carrega a energia do cinema independente. Histórias descomprometidas com lucro.

Drauzio Varella sente que nós do cinema não prestamos as devidas homenagens a Hector Babenco. Ele me ajudou no começo da carreira, não foi nem com tapas, mas com beijos e pontapés. Imagino que com você não tenha sido diferente.
Ele sempre teve essa reputação, mas minha experiência sempre foi bonita. E talvez tenha sido porque eu estava fazendo uma travesti. E ele chegava sempre falando comigo baixinho, com carinho.

Todos os atores do Brasil queriam fazer o filme. E eu era um deles. Cheguei a falar que queria fazer o Deusdete [outro personagem de "Carandiru"], e ele ria. "Rodriguinho, não, não". Ele basicamente dizia que eu não tinha o "physique" para o filme. Fui embora um pouco frustrado, mas falei para a produtora: "Vai ter o personagem da travesti?". Aí me ligaram e disseram que iria ter uma leitura.

Na sala tinha atores da EAD [Escola de Artes Dramáticas, da USP], travestis e eu, que era o ator da Globo. E tinha um preconceito inevitável na época. Fiquei ali no meu cantinho, até que o Gero Camilo disse: "Hector vem aqui para ver". Sabe quando o diretor entra na sala para ver, né?

Eu penso do outro lado, quem vou frustrar sem querer, porque só da para escolher um.
Na verdade, estamos todos querendo colaborar uns com os outros.

Mas quando se entra numa sala com 30 pessoas e só se pode escolher um...
É igual lista de filmes favoritos, só da pra escolher um.

Colaborou GUILHERME GENESTRETI

FERNANDO GROSTEIN ANDRADE é diretor dos documentários "Coração Vagabundo" (2008) e "Quebrando o Tabu" (2011)

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