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Em novo livro, Rodrigo Lacerda maneja com primor os tempos narrativos

'Reserva Natural' confronta personagens com impulsos ingovernáveis 

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O escritor Rodrigo Lacerda, que lança um novo livro
O escritor Rodrigo Lacerda, que lança um novo livro - Bruno Poletti- 24.nov.16/Folhapress
São Paulo

Novo livro de contos de Rodrigo Lacerda, "Reserva Natural" carrega no título uma ambiguidade que encontramos em quase todas as narrativas.

Normalmente associada à ecologia, a expressão ganha outro sentido, menos benigno, de arsenal da natureza destinado a desfazer as ilusões da excepcionalidade humana —ou seja, a crença de que escapamos das determinações naturais, temos autonomia para escolher nosso destino.

Nos contos, tanto cenas corriqueiras quanto situações brutais são momentos em que as personagens são confrontadas com impulsos que não governam. Elas racionalizam em vão as ações nas quais não se reconhecem —ou nas quais se reconhecem prisioneiras de seus corpos.

"Santuário da Lagoinha" é uma narrativa emblemática. Em passeio por um pequeno paraíso ecológico, um casal se vê surpreendido por uma tempestade que transforma o idílio em tragédia. A brutalidade da correnteza e de rajadas de vento, indiferentes à simbiose amorosa (essa construção social), fazem eclodir um instinto de sobrevivência e perpetuação tão elementar quanto a água e as rochas.

Mas é no primeiro conto, que dá título ao livro, e no último que Lacerda demonstra sua habilidade de escrever em diferentes registros ficcionais. Em "Reserva Natural", numa pacata noite em um sítio, uma conversa entre o narrador e seu padrinho, doente de câncer, deflagra nostalgias e inquietações.

Lacerda maneja primorosamente os tempos narrativos: a revelação de um fato prosaico pelo padrinho deixa uma sugestão de adultério envolvendo os pais do narrador e se alterna com relatos de caçadas e com a contemplação maravilhada de vaga-lumes —numa estrutura em contraponto que equaliza as misérias humanas e os holocaustos da natureza.

E, em "Metástase", temos a suma dessa coletânea que, na esteira da anexação de territórios das neurociências pela literatura (basta lembrar das patologias e síndromes abordadas ficcionalmente por Cristovão Tezza, Michel Laub e Daniel Galera), cria uma espécie de bioexistencialismo.

Inicialmente, o conto parece um divertido bestiário microscópico, em que a descrição de bactérias, vírus e ácaros compõe uma cosmologia hipocondríaca mesclada a meditações que têm uma pitada de Pascal e outra de Woody Allen.

Logo, porém, saberemos que o autor desse breviário é portador de um glioblastoma tumor cerebral que o faz compreender que as tempestades neuronais, tanto quanto as amebas, é que comandam esse enredo de som e fúria do qual temos a ilusão de sermos os comandantes.

Reserva Natural

  • Preço R$ 44,90 (184 págs.)
  • Autoria Rodrigo Lacerda
  • Editora Companhia das Letras
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