Protagonismo de traficantes coloca questão da mobilidade social na TV

Na cola de 'Narcos' e 'A Rainha do Sul', produção nacional prevê 'Impuros' e 'Pico da Neblina'

Rapahel Logam em cena da série "Impuros", da Fox
Raphael Logam em cena da série "Impuros", da Fox - Divulgação
Gustavo Fioratti
São Paulo

A imagem de uma América Latina que é berço de pequenos e grandes traficantes tornou-se um filão rentável. Quando estreou em 2015, “Narcos” inaugurou uma fase na teledramaturgia latina, abrindo a porta para outros concorrentes da vida bandida. 

Veio na rabeira Pacho Herrera, que ocupou o centro da mesma série da Netflix em sua terceira temporada. Os novos episódios foram lançados no ano passado –e a quarta temporada está prevista para o segundo semestre. 

“A Rainha do Sul”, com Alice Braga no papel de uma mexicana que vai ascendendo no mundo do tráfico americano, estreou em 2016 e ganhou sua terceira temporada no mês passado, nos EUA.

No cardápio de produções nacionais, ainda estão tomando forma as séries “Impuros” (na Fox Premium, prometida para outubro), sobre um traficante carioca nos anos 1990, e “Pico da Neblina” (da HBO, ainda sem data de estreia).

A investida da HBO no tema ainda está em fase de produção. Em sua história, um jovem traficante de maconha se depara com um novo ambiente “legalize” –o consumo e a venda da erva passam a ser permitido entre brasileiros.

Por trás dessa mistura de fumaça e pó existe uma espécie de revisão moral do narcotraficante, que passou a ocupar lugar de protagonismo: o resultado é uma galeria de anti-heróis capazes de provocar simpatia no espectador e ao mesmo tempo deslocá-lo por questões que confrontam noções de ética e lei. 

É um fenômeno que vem adquirindo corpo desde que Tony Soprano, protagonista de “Família Soprano”, foi criado, em 1999 nos EUA. Em 2008, “Breaking Bad” também mostrou a transformação de Walter White, um professor universitário, em um dos criminosos mais criativos dos EUA (veja abaixo a trajetória dos novos personagens).

“Impuros” se consolida na esteira de uma percepção de mercado. É uma obra para exportação e que se beneficia da proximidade com uma cultura particular do continente.

“Nós somos os únicos que produzem a folha da coca. Isso é nosso”, diz Carlos Queiroz, diretor de produções originais da Fox Networks Group Brasil, sobre a opção temática.

Ao mesmo tempo, ele observa que o interesse de dramaturgos e diretores pelo tema ganhou volume a partir de uma possibilidade de condução narrativa: “O narcotráfico é uma das vias da ascensão social, da mobilidade”, diz. “Na América Latina, [a ascensão] acontece pelo crime, pelo futebol ou pela via artística”. 

Na formação desse catálogo de novas séries, construiu-se ainda a imagem de um território “conflagrado por problemas sociais, onde a oportunidade do crime é muito tentadora”, prossegue Queiroz. 

Com esse pano de fundo, os criadores de “Impuros” trazem para a tela um protagonista de perfil sensível. “A grande questão para a gente nessa série é a relação desse traficante com a mãe”, diz Tomás Portella, codiretor ao lado de René Sampaio, da Barry Company, coprodutora da série. 

“Antes de ele virar o grande homem do crime, ele foi um garoto normal, pedia a bênção para a mãe, trabalhou como camelô e sempre foi um cara que tinha muita iniciativa, sempre foi empreendedor.”

O personagem em questão chama-se Evandro. Ele acaba virando traficante por causa de situações que se desdobram a partir do assassinato de seu irmão, que já trabalhava com a venda de drogas. 

“Acho que a gente não bota a mão na cabeça do traficante, nosso personagem acaba perdendo a alma para isso inclusive. Mas a gente não deixa de olhar para esse cara como alguém que pode ter uma mulher, um filho. Há ambiguidade”, explica Portella.

Há ainda uma especificidade na criação da série, que é a ambientação no Rio de Janeiro dos anos 1990. Não haverá menção ao Comando Vermelho ou ao Terceiro Comando, mas o surgimento de estruturas sistêmicas no mercado de drogas acaba fazendo lembrar situação noticiadas. 

“Impuros” não reflete nenhuma opinião de sua equipe de criadores no debate sobre a legalização de drogas, ao contrário de “Pico da Neblina”, que se firma a partir de uma posição a respeito do tema. 

Segundo Quico Meirelles, que dirige a série ao lado do pai, o cineasta Fernando Meirelles, a obra não se furta a chance de tomar partido. “Somos totalmente favoráveis à legalização da maconha”, diz, sobre as discussões em equipe que permearam a criação da série da O2 para a HBO. 

Ele não assume que fuma maconha, mas diz que fez “testes” para a criação do roteiro.

Está previsto para o primeiro episódio (ainda sem data de estreia) a apresentação de um panorama acerca dos debates sobre a legalização da erva, com entrevistas de psicólogos, políticos e cientistas equilibrando suas opiniões.

Completa ainda o roteiro de filmes sobre o tráfico nas Américas o papel vivido por Catherine Zeta-Jones em “A Rainha da Cocaína”, sobre Griselda Blanco, colombiana que atuou nos EUA nos anos 1970. 

O filme estreou em abril no canal Lifetime e terá reprise nos dias 22 e 23. “É importante ver o mundo de baixo para cima em vez de de cima para baixo”, diz o diretor do filme, Guillermo Navarro, sobre as inversões possibilitadas pelos personagens do gênero.

 

A NOVA FACE DO TRAFICANTE  NA TV

Teresa Mendoza 
O papel do traficante se reinventa com o protagonismo feminino. Alice Braga interpreta, em “Rainha do Sul” (USA Network, exibido pela Netflix), a mulher que passa de perseguida pelo cartel de Sinaloa, no México, a comandante de uma quadrilha no sul dos Estados Unidos

Biriba 
O jovem traficante paulistano de “Pico da Neblina”, depois que a maconha passa a ser legal no país, decide abrir uma lojinha de produtos derivados da erva; só que o passado na vida do crime não vai largar o personagem tão cedo

Evandro
“Impuros” terá como protagonista esse sujeito que se destaca por sua elegância e senso estratégico. Ele não usa drogas, apenas comercializa. Uma questão central de sua história, que se passa nos anos 1990 no Rio de Janeiro, é a relação com a mãe

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