Descrição de chapéu

Filme mostra momento em que juventude russa quis enterrar cadáver do comunismo

'Verão', do russo Kirill Serebrennikov, que está preso em seu país, é exibido na Mostra de SP

Cena do filme 'verão', exemplo de filme politizado da Mostra de Cinema de São Paulo
Cena do filme 'Verão', em exibição na Mostra de Cinema de São Paulo - Divulgação
Cássio Starling Carlos

Verão

  • Onde Quinta (18), às 16h40, no Reserva Cultural; sexta (19), às 19h30, no Cinesala; domingo (21), às 17h20, no Frei Caneca 1; domingo (28), às 19h20, no Reserva Cultural.
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Roman Bilyk, Rami Malek, Teo Yoo, Irina Starshenbaum
  • Produção Rússia /França
  • Direção Kirill Serebrennikov

O comunismo de verdade, não o fantasma que o atual exército brasileiro de zumbis finge temer, está morto e enterrado faz tempo. Sua agonia final foi por sufocamento, fixação no passado e medo obsessivo da liberdade e do questionamento. “Verão”, do russo Kirill Serebrennikov, nos leva ao momento em que a juventude russa deu os primeiros sinais de que era hora de enterrar o cadáver.

O filme, injustamente ignorado pelo júri de Cannes, se passa em São Petersburgo, no início dos anos 1980, e reconstitui a amizade de duas personalidades centrais da emergência do pop na União Soviética, cujas lideranças temiam o poder de contágio desse signo maior da decadência capitalista.

Mayk Naumenko, bardo à frente da banda Zoopark, seguiu as pegadas de Lou Reed e David Bowie para fortalecer sua crença na potência poética do rock. Sob sua influência, o mais jovem Viktor Tsoi criou o grupo Kino, fenômeno pop que tornou manifesta a incapacidade de o velho regime se sintonizar com os anseios das novas gerações.

Ambos morreram no início dos anos 1990 e não conheceram o lado B da nova ordem repressiva que veio depois do colapso do comunismo russo.

Serebrennikov nos aproxima desse retrato de ícones locais sem exagerar na reverência. A primeira cena sinaliza sua estratégia ao acompanhar o movimento de garotas que entram pelos fundos no clube onde Naumenko se apresenta, anunciando a natureza clandestina e subversiva daquela música.

O controle do comportamento da plateia ou a censura permanente às letras e ao estímulo disruptivo das guitarras funciona como anedotas de um tempo que tem seus nostálgicos tanto lá como aqui.  

As imagens em preto e branco poderiam servir como retórica da evocação do passado, mas o filme não demora a desvirtuar essa premissa com deliciosas passagens de abandono do realismo.

Com uma estética de videoclipe dos anos 1980, intervalos musicais interrompem o fluxo narrativo e inserem canções dos Talking Heads, Iggy Pop e Bowie no cinzento cotidiano soviético. Enquanto isso, um dos personagens faz comentários irônicos que tornam o filme uma reflexão sobre a rebeldia, identificando seu alcance e seus limites.

Outra vantagem das escolhas de Serebrennikov é evocar fatos e biografias de seus personagens sem restringi-los ao passado. Como o próprio diretor russo encontra-se desde agosto de 2017 em prisão domiciliar, acusado de desvio de recursos por um governo ao qual nunca prestou obediência, não é preciso esforço para reconhecer a alegoria.

 
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