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Cinema

'A Pé Ele Não Vai Longe' é maneira de ver a vida sem pena de si mesmo

História de tetraplégico, de Gus Van Sant, traz Joaquin Phoenix no papel do chargista John Callahan

Bruno Ghetti

A Pé Ele Não Vai Longe

  • Classificação 14 anos
  • Elenco Joaquin Phoenix, Jonah Hill, Rooney Mara
  • Produção EUA/França, 2018
  • Direção Gus Van Sant

A temporada de prêmios tem ignorado por completo “A Pé Ele Não Vai Longe”, de Gus Van Sant. Talvez porque fale do polêmico cartunista John Callahan, famoso nos anos 1970 por charges sarcásticas que, hoje, seriam inviáveis pelo politicamente correto.

Uma pena, porque o longa é o melhor trabalho de Van Sant desde “Elefante” (2003). Nele, Joaquin Phoenix está na pele do artista, que ficou tetraplégico em um desastre de carro após uma bebedeira. Mas, mesmo com o trauma, abordava as próprias adversidades com ironia e humor cáustico. 

Em suas tirinhas, troçava das mazelas humanas —as dele e as de outros grupos, inclusive os historicamente oprimidos. Mesmo na época, ganhou inimizades.

Van Sant faz um filme bem ao estilo de Callahan, que desenhava com a boca: ri-se de tudo e de todos. Mas nunca para tripudiar; sua atitude é um mero convite a levar a vida sem tanta solenidade.

Quando o diretor mostra o cartunista em farras antes do acidente, não há um olhar moralista ou repreensivo em relação a seus porres, culpando-os por sua tragédia. 

Ao contrário: o filme assume que a boemia tem também um lado fascinante, divertido. Pode comprometer a saúde física e mental, mas a festa etílica traz inegavelmente momentos de alegria intensa e de alta sociabilidade —algo que Van Sant traduz em cenas luzidias, vivas. 

É um dos raros filmes já feitos a abordar também a faceta positiva do álcool, sem nenhum traço de culpa. E é esse tipo de visão de mundo que sustenta o longa: sua postura é a de não negar o que a vida tem de belo (ainda que destrutivo) e também de não camuflar o que ela possui de desagradável (mas necessário). O filme busca em todo o momento a sinceridade, as coisas como elas são. 

Van Sant acerta ao apostar em uma montagem dinâmica, e a produção tem um tipo de sagacidade visual e de rapidez nos diálogos que a torna peculiarmente vivaz, prazerosa. 

Phoenix está radiante no filme, mas não é o único: Jonah Hill brilha como um engraçado guru do rehab, assim como a cantora Beth Ditto, no papel de uma debochada  alcoólatra abstêmia.

“A Pé Ele Não Vai Longe” é acima de tudo sobre uma certa maneira de encarar problemas. Automartírio? Não leva a nada. Pena de si? Menos ainda. 

O longa opta pela luminosidade para falar de questões que muitos preferem ver pelo lado trevoso. É tudo uma questão de abordagem. A obra, a seu modo, é também uma lição de vida.

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