Descrição de chapéu Cinema festival de cannes

Cannes tem trama de freira lésbica de Paul Verhoeven na disputa pela Palma de Ouro

Filme 'Benedetta' mostra Cristo sedutor, que ora atrai a irmã apaixonada, ora a empurra para os braços da amante

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Cannes (França)

Se não bastassem a sinopse —a história de uma freira lésbica no século 17— e a modelo de hábito branco que expõe o seio direito no cartaz publicitário, tudo o mais parece calculado para criar escândalo em “Benedetta”, novo filme do diretor holandês Paul Verhoeven, de 82 anos.

São diversos os registros da nudez da protagonista —interpretada pela belgo-francesa Virginie Efira— e de sua amante Bartolomea —a também belga Daphné Patakia—, há muitas cenas de sexo —até explícitas, mas nem sempre eróticas— e não faltam os costumeiros diálogos que revelam a hipocrisia de líderes religiosos.

O maior indício de provocação deliberada foi acrescentado pelos roteiristas à história real em que se baseia –um objeto feito a partir de uma imagem da Virgem Maria que ganha um uso indevido ao longo da relação lésbica e vira uma peça chave na inquisição de Benedetta.

Virginie Efira em cena do filme "Benedetta", de Paul Verhoeven, exibido no Festival de Cannes
Virginie Efira em cena do filme 'Benedetta', de Paul Verhoeven, exibido no Festival de Cannes - Divulgação

Não será a primeira vez que um filme de Verhoeven dará o que falar. Ele é o diretor por trás da sexualidade crua de “Turkish Delight”, de 1973, da cruzada fatal de pernas da atriz americana Sharon Stone em “Instinto Selvagem”, de 1992, e de “Showgirls”, de 1995, sobre o mundo das strippers.

Também nunca se furtou a assinar grandes sucessos de bilheteria, como “RoboCop”, de 1987, e “Total Recall”, de 1990. Os filmes de Verhoeven receberam um total de nove indicações ao Oscar, principalmente pela edição e pelos efeitos especiais, até que ele deixasse Hollywood para não virar “aquele cara que faz ficção científica”.

Seus últimos filmes foram vistos como um retorno ao estilo europeu de cinema, o holandês “Black Book”, de 2006, um drama de guerra, e o thriller francês “Elle”, de 2016, que estreou em Cannes, venceu o César de melhor filme e deu a Isabelle Huppert uma indicação ao Oscar.

“Benedetta”, que estreou nesta sexta na competição pela Palma de Ouro, é falado em francês, o que pode facilitar sua difusão pelo continente, mas seria forçado pôr o filme no escaninho de “filme europeu” –ação e encenação excedem; falta sutileza e reflexão.

A obra é baseada em “Atos Impuros”, de Judith Brown, resultado de um estudo histórico sobre o julgamento pela Igreja Católica da irmã Benedetta Carlini, que chegou ainda criança ao convento de irmãs teatinas na cidade italiana de Pescia, ganhou fama por visões e milagres e chegou a abadessa antes de ser julgada e condenada.

Ao pesquisar arquivos em Florença para um outro projeto, Brown abriu uma caixa e encontrou a ata desse processo, considerada um dos primeiros relatos sobre lesbianismo na Europa moderna. Por se tratar de um registro judicial, o texto descreve com detalhes quais eram as posições adotadas, quantas vezes as relações aconteciam, em que parte do corpo encostavam mãos ou línguas.

Verhoeven, que já se declarou mais de uma vez fascinado por religião e escreveu um livro sobre a vida de Cristo, como “Jesus de Nazaré”, de 2008, aproveita as visões de Benedetta para mostrar um messias sedutor e viril, que ora atrai a freira apaixonada ora a empurra para os braços da amante lésbica.

Nessas cenas, que brincam com exageros à moda de “Kill Bill”, de Quentin Tarantino, e vão ao limite do farsesco, a impressão é que o diretor fez esse filme para se divertir.

Há outros momentos lúdicos, como em tiradas humorísticas nos diálogos e nas citações ao sueco Ingmar Bergman —a tomada em que o núncio de Florença passa por uma coluna de peregrinos que se flagelam quando se dirige a Pescia para julgar Benedetta é uma delas, decalcada de “O Sétimo Selo”.

A chegada da peste bubônica às portas do convento neste filme que vai às telas em tempos de pandemia é uma coincidência. Ele começou a ser filmado antes que a Covid-19 se disseminasse e sua estreia estava prevista para o festival do ano passado, que acabou cancelado por causa da doença.

Dois atores já consagrados compensam um pouco a inadequação de Virginie Efera à imagem de uma freira do século 17 —um espectador desavisado a poderia tomar por uma surfista australiana.

A britânica Charlotte Rampling dá autoridade e estatura a Felicita, a abadessa que recebe Benedetta e é depois substituída por ela, e o franco-irlandês Lambert Wilson, que interpreta o núncio, cumpre bem tanto seu papel de vilão quanto o de atrair espectadores na França, onde é popular.

A jovem Daphné Patakia, de 29 anos, interpreta uma Bartolomea muito mais convincente que a Benedetta da atriz principal, mas isso talvez nem sobressaia num filme em que o real e o imaginário são parte importante do próprio enredo. Verhoeven também não está interessado em dar respostas. Como em “Instinto Selvagem” e “Total Recall”, cada um que escolha a versão que mais convier.

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