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Concerto de Chick Corea tem em trombonista virtuoso seu ponto alto

Na Sala São Paulo com a Osesp, Joseph Alessi é o solista da estreia mundial da obra do mestre do fusion morto em fevereiro

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Temporada Osesp: Giancarlo Guerrero e Joseph Alessi

Com limitação de público a ocupar 420 lugares na Sala São Paulo, a Osesp, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, executou nesta quinta a estreia mundial do “Concerto para Trombone e Orquestra” de Chick Corea, pianista e mestre do jazz fusion que morreu de câncer em fevereiro aos 79 anos.

Regido pelo costa-riquenho Giancarlo Guerrero —um dos mais assíduos maestros convidados da orquestra ao longo da última década—, o concerto foi uma encomenda internacional da Osesp, da Filarmônica de Nova York, da Sinfônica de Helsinki e da Fundação Gulbenkian de Lisboa.

Que a orquestra paulista siga conectada com o mundo maior, encomendando, ensaiando, executando obras inéditas, recebendo músicos e público, a despeito das dificuldades que atingem especialmente o setor cultural no país, é algo que merece ser celebrado por si só.

Depois de tanto tempo de reclusão e transmissões a distância, ouvir presencialmente o som acústico —que vem de todas as direções e percorre livremente o espaço da sala— parece, ainda, um pouco irreal. É como se houvesse algum truque no fato de pessoas de verdade, com suas máscaras e protocolos de distanciamento, estarem juntas, tocarem juntas e produzirem no tempo vivido esses fragmentos de sentido a que chamamos música.

O programa começou com um arranjo sinfônico de seções da ópera “Ariadne em Naxos”, de Richard Strauss, de 1916, realizado por D. W. Ochoa. Retirar o ótimo texto de Hugo von Hofmannsthal de um dueto como “Um Momento É Pouco, Um Olhar É Muito”, ou da ária “Há um Reino”, implica riscos, mas a música de Strauss tem força, sobretudo harmônica e timbrística, para se sustentar e cantar mesmo sem palavras.

Seu ponto de partida é Wagner, mas a forma livre como passeia pelas fronteiras tonais é totalmente autoral. A escrita em partitura assume muitas vezes, em Strauss, uma função análoga à de um improviso.

Alguns instrumentos são especiais em sua música. A trompa, sempre relevante no discurso, é um exemplo —seu pai era trompista profissional. Guerrero soube construir, com a Osesp, finíssimas camadas entre os naipes, como na sonoridade sofisticada de trompete sobre violinos e as duas harpas.

A palavra passeio —“stroll”, em inglês— aparece explicitamente no título de dois movimentos do concerto de Chick Corea. É uma referência a como a índole do pianista-improvisador pode estruturar a escrita orquestral. De fato, “passear”, “a liberdade e naturalidade para se movimentar numa ou outra direção”, é como ele mesmo definia, em aulas públicas, a arte da improvisação.

Esse caminhar se torna muito mais fascinante quando o solista é Joseph Alessi. Trombonista principal da Filarmônica de Nova York desde 1985 e professor da Juilliard, é ele o verdadeiro responsável pela encomenda que acabaria por se tornar uma das últimas composições de Corea.

Escutar ao vivo o som robusto, claro e homogêneo de Alessi é um privilégio, e não sairá da memória a imagem da sincronia total entre emissão do ar e controle corporal, boca e braço juntos em precisão. Mesmo nas passagens mais rápidas é possível identificar cada nota, articulada com clareza e definição dentro dos cachos de sons.

Uma valsa e um tango virtuosísticos ganham o nome do intérprete (“Waltse for Joe” e “Joe’s Tango”) e são mediados por um movimento intitulado “Hysteria”, um dos mais interessantes, composto já durante a pandemia da Covid-19.

No final de tudo, entretanto, fica faltando alguma coisa. Não na interpretação, mas na música, ou, mais exatamente, na relação dessa música com o mundo tal como ele está. Estranho, ela acaba de ser lançada, mas não parece ser de hoje.

Em tempos em que as carências são tantas e tão intensas, não é difícil nomear o que falta. Faz falta, por exemplo, o próprio Chick Corea; e o momento ainda não é propício para “la fiesta”.

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