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03/07/2010 - 09h15

Sindicato diz que Vale "pisa nos valores locais" do Canadá

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ANDREA MURTA
ENVIADA ESPECIAL A SUDBURY (CANADÁ)

À medida que a greve dos funcionários das minas de níquel da Vale em Sudbury (Canadá) se aproxima do recorde de um ano de paralisação, a ser completado no próximo dia 13, a tensão e o ódio à mineradora brasileira crescem a níveis perigosos.

Tudo indica que um acordo está próximo, mas não apagará os problemas dos últimos meses, quando a cidade de 150 mil habitantes, a cerca de 380 km de Toronto, viu episódios de violência e processos judiciais mútuos que transformaram a empresa em símbolo local de "ganância corporativa".

Essa já é a mais dura greve da história de Sudbury, que explora níquel desde o fim do século 19 e está acostumada a ver disputas trabalhistas movidas pelo braço local do forte sindicato internacional Metalúrgicos Unidos (USW).

Para Ken Neumann, presidente para o Canadá do sindicato internacional Metalúrgicos Unidos, a Vale está "pisando nos valores locais" de Sudbury, onde enfrenta quase um ano de paralisação de suas operações.

FOLHA - Quando a Vale comprou a Inco (2006), como ficaram as relações com os funcionários?

KEN NEUMANN - Inicialmente conversaram com o sindicato e disseram que nada mudaria. Mas pouco depois começamos a ver que se livraram da maior parte dos antigos executivos e trouxeram seus gerentes, com culturas diferentes da canadense.

Ainda assim a relação foi cordial até que começamos a nos preparar para a barganha coletiva, pouco antes da renegociação do contrato. Aí eles ficaram bastante agressivos contra o status quo.

Basicamente eles não têm os mesmos valores que nós quanto ao respeito à comunidade. Se livraram dos fornecedores locais, o que tira empregos da região. Sempre tivemos uma comunidade vibrante e temos agora essa multinacional tentando destruir nosso modo de vida.

É impressionante ver essa greve fazer aniversário quando a empresa lucrou mais de US$ 13 bilhões, US$ 4,1 bilhões apenas da divisão de Ontário nos dois primeiros anos de operação. É mais do que a Inco lucrou em uma década.

FOLHA - Mas a recessão chegou pouco depois...

NEUMANN - Negociamos o bônus do níquel para esses momentos. Quando o preço do níquel está baixo não recebemos bônus algum, e quando ele sobe temos o prêmio associado a ele. Aceitamos um salário base mais baixo por causa disso. E agora eles querem mudar o bônus significativamente. Querem aumentar os lucros para seus acionistas, que nem estão no Canadá. A sede da empresa não fica aqui e é claro que eles não têm o mesmo tipo de lealdade aos canadenses.

A conversa seria diferente se o níquel estivesse a US$ 2 por libra. Mas eles continuam tendo lucros.

FOLHA - Como o sr. vê a atitude da Vale?

NEUMANN - É uma questão do capital global. Essas empresas se tornaram tão gigantescas que são um monstro enorme quanto a seus planos de negócios. Estão adotando uma atitude muito rígida quanto a negociações coletivas e criando um ambiente muito pouco saudável para relações industriais. Acho querem enviar uma mensagem para outras operações que têm ou pretendem adquirir ao redor do mundo. Querem dizer, 'veja, ditamos as regras em Sudbury e é isso que vamos fazer por aqui'.

Temos o total apoio da CUT (Central Única dos Trabalhadores) no Brasil, pois o sindicato sabe que, se a Vale vencer aqui, isso repercutirá em casa.

Também culpo o governo canadense pela situação. Entregaram nossos recursos a empresas estrangeiras. Qual o benefício disso para o Canadá? Não venham para cá tentar voltar no tempo e destruir o que construímos até hoje.

FOLHA - O sr. achou que a greve chegaria tão longe?

NEUMANN - Eu não estava na mesa de negociação, mas ninguém previu um ano de greve. A Vale vai carregar essa imagem no mundo, de uma corporação que chega e pisa nos valores locais. Fizemos uma campanha global, fomos a vários países advertir os trabalhadores sobre o tipo de empresa que pretende fazer negócios com eles.

Muita gente deixou a cidade e foi buscar trabalho em outros lugares. A Vale fez muita coisa divisiva, levou muita gente aos tribunais. Pessoas que cruzaram terreno da empresa na volta de protestos foram filmadas e processadas por invasões. A cidade sofreu muito nos últimos 12 meses.

A Vale também não pensou que a luta seria tão longa. Estão perdendo milhões de dólares. Agora querem punir o sindicato e dar um exemplo.

FOLHA - O que é que está ameaçado em Sudbury?

NEUMANN - Temos salários decentes, podemos criar nossos filhos e mandá-los à faculdade. Temos aposentadorias decentes. Temos várias gerações de famílias nas minas. É o estilo de vida no Canadá. Pode ser diferente no Brasil e em outras partes do mundo, mas deveríamos elevar o padrão em outros lugares e não baixá-lo aqui.

FOLHA - Há preconceito pelo fato de a empresa ser brasileira?

NEUMANN - Essa acusação veio da Vale, que quer minar os elos que temos com outros sindicatos pelo mundo.

FOLHA - Como será a volta ao trabalho após tanta animosidade?

NEUMANN - A Vale que construir um modelo de lucratividade e produtividade para o qual precisa dos funcionários. Temos alguns dos indivíduos mais bem treinados do mercado. Precisam de nós, e precisamos dos empregos.

Mas se a empresa continuar a agir como está agindo, vamos seguir atuando com outros grupos de trabalhadores da Vale ao redor do mundo para que entendam que podem ser uma multinacional, mas nós temos o direito de ser tratados com dignidade e respeito.

 

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