Diversidade racial nas empresas depende de novas formas de seleção

Ambiente inclusivo favorece a inovação e aumenta o lucro, mas exige que companhia esteja disposta a aprender com os profissionais

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São Paulo

A diversidade racial virou pauta nas grandes empresas, como atestam os programas de trainee de Magazine Luiza e Bayer lançados neste ano, exclusivos para profissionais negros. Nas pequenas e médias, a discussão não chega com tanta força, mas nelas a implementação de políticas inclusivas pode ser mais rápida.

“Os negócios menores precisam se renovar constantemente para competir. Para inovar, precisam de diversidade”, diz Letícia Rodrigues, fundadora da consultoria Tree. “Além disso, como as equipes são menores, a diferença que uma pessoa com uma história de vida diferente pode fazer é maior”, completa.

De acordo com pesquisa da McKinsey, feita com 366 companhias nos EUA, no Canadá, na América Latina e no Reino Unido, negócios que incentivam a diversidade racial têm retorno financeiro, em média, 35% maior que a média nacional de sua área de atuação.

A analista de operação Marina Nascimento trabalha em home office de Barretos (SP) 
A analista de operação Marina Nascimento trabalha em home office de Barretos (SP)  - Gabriel Cabral/Folhapress

Para ampliar a contratação de profissionais negros, a consultora recomenda que as empresas não apenas abram vagas específicas, mas que também parem de buscar talentos “nos lugares de sempre”.

Na Pipo Saúde, startup que vende e faz gestão de convênios médicos de companhias, a busca por diversidade veio dos fundadores. Incomodados com o fato de não haver nenhum profissional negro entre os 11 funcionários, eles abriram postos destinados a esse grupo —assim como a pessoas trans. Hoje, dos 55 empregados, 27% são negros.

“Se não fossem vagas dedicadas, estatisticamente, teríamos mais chance de contratar mais gente igual. Queríamos quebrar o ciclo”, diz a economista Manoela Mitchell, fundadora e diretora-executiva.

“Vieram currículos superqualificados. É a empresa que deve se estruturar para ser capaz de encontrá-los”, afirma.

A experiência de Manoela se contrapõe à fala de Cristina Junqueira, fundadora do Nubank, que disse em entrevista ao programa Roda Viva que “não poderia nivelar por baixo” suas contratações, dando a entender que profissionais negros seriam menos instruídos. Após a repercussão negativa, ela se desculpou.

Formada em engenharia de materiais pela USP, Marina Gabriela Nascimento, 28, foi uma das contratadas pela Pipo Saúde. Ela conta que, em seu antigo emprego, sentia olhares de estranhamento todos os dias.

“Era uma multinacional na Faria Lima, e eu ficava na dúvida se poderia usar usar trança, cabelo black power ou turbante. Sentia que não podia ser eu mesma”, afirma ela, que também conta que piadas racistas, ditas em tom de brincadeira, a incomodavam.

Marina era a única profissional negra de sua equipe. Mas, mesmo em ambientes de trabalho com mais diversidade racial, muitas vezes não existe a inclusão de fato. “Diversidade é chamar para a festa, e inclusão é chamar para dançar”, diz ela.

“Você pode ter diversidade com pessoas negras em postos baixos. Inclusão é realmente lhes dar lugar de fala e permitir que cresçam no emprego”, afirma Luanny Faustino, consultora da CKZ Diversidade.
A inclusão, aliás, faz com que o profissional seja mais produtivo. “Se a pessoa for trabalhar vestida como quiser e não precisar gastar energia para criar um personagem, terá mais disposição e foco no trabalho”, diz.

Marina conta que na Pipo Saúde, onde entrou em agosto, seus gestores foram sinceros desde o início. Disseram que ela era a primeira profissional negra que contratavam e que queriam ouvi-la e aprender com ela.

Analista de operação, Marina comanda uma equipe de três pessoas, todas negras. Segundo ela, isso seria mais difícil de acontecer em uma grande empresa. “Nas multinacionais as coisas vêm de cima pra baixo. Ponto. Tem muita burocracia. Quando há menos gente e a liderança está mais próxima, as ideias dos colaboradores têm mais chance.”

Na Pipo Saúde, por exemplo, eles decidiram abolir termos em inglês, para acolher quem não domina a língua.

Outro fator que leva companhias menores a buscar diversidade é a demanda de parceiros maiores, que exigem que toda sua cadeia implemente essas práticas.

No caso da agência de publicidade E/OU MRM, que tem cerca de 200 funcionários, a pressão veio do grupo corporativo do qual a empresa faz parte. A agência, então, fez um censo em 2018 e descobriu que a equipe era composta por 18 % de negros.

O diretor de RH André Miguel, na agência E/OU MRM  
O diretor de RH André Miguel, na agência E/OU MRM   - Danilo Verpa/Folhapress

“A partir do resultado começamos a capacitar as lideranças, com treinamento e consultoria, e estabelecemos um comitê de diversidade”, diz André Miguel, diretor de RH.

Ele afirma que houve atenção maior à questão no momento de recrutamento, mas que a companhia ainda não trabalha com metas de contratação. “É um trabalho que leva tempo. Não é só contratar a pessoa. O mais difícil é a retenção, a inclusão”, diz.

“Não é porque sai na mídia o que alguém faz que a empresa tem que copiar logo. Depende da maturidade dela. Precisa planejar, capacitar e mudar processos”, avalia a consultora Letícia Rodrigues.

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