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14/01/2013 - 04h00

Análise: Decisão de Hollande de intervir no Mali foi necessária

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PIERRE HASKI
DO "GUARDIAN"

Durante a campanha eleitoral francesa do ano passado, François Hollande foi criticado por ser indeciso demais e apelidado de "Flamby" --o nome de uma sobremesa semelhante a um flan.

Ou seja, sua imagem não era exatamente a de um super-homem. Sete meses mais tarde, o mesmo François Hollande autorizou uma operação de comandos franceses na Somália para tentar resgatar um refém francês, e iniciou uma ação militar de fim imprevisível no Mali, antiga colônia francesa.

Para isso, ele recebeu apoio de líderes da oposição moderada que se posicionam contra ele em torno de quase todas as outras questões --e também do Reino Unido, que concordou em dar assistência militar para transportar tropas estrangeiras e equipamentos para o Mali.

Nicolas Richard/Reuters
Tropas francesas partem do Chade para Mali, para combater os rebeldes jihadistas que controlam o norte do país
Tropas francesas partem do Chade para Mali, para combater os rebeldes jihadistas que controlam o norte do país

Pouco depois de ser eleito, em maio do ano passado, Hollande traçou uma estratégia para a crise do Mali, que tinha explodido alguns meses antes quando grupos radicais islâmicos tomaram conta da metade norte do país, impondo à população a sharia, a lei islâmica rígida. O novo presidente não queria ver tropas francesas liderando a batalha, como tinha acontecido no passado --no Chade, por exemplo, quando tanques líbios ameaçavam o país vizinho ao sul. Hollande queria mostrar que os tempos tinham mudado.

Como sinal de sua abordagem nova e não intervencionista às antigas colônias francesas, no mês passado Hollande recusou-se publicamente a atender aos pedidos do presidente François Bozizé, da República Centro-Africana, para que tropas francesas viessem barrar um avanço de rebeldes em direção à capital do país. Hollande declarou: "Não estamos presentes para proteger um regime. Esse tempo acabou."

Enquanto isso, ele trabalhou intensivamente para conseguir apoio da ONU e africano para a criação de uma força regional para o Mali, liderada por Estados da África ocidental. Mas, não obstante uma decisão do Conselho de Segurança da ONU e de ter sido aprovado por unanimidade, o plano ainda não tinha começado a ser posto em prática quando grupos islâmicos filiados à Al Qaeda iniciaram uma ofensiva em direção ao sul do Mali, superando facilmente a resistência do exército malinês.

Hollande optou por aquela que provavelmente era a única alternativa possível: enviar tropas francesas para impedir uma coluna rebelde fortemente armada e altamente móvel de alcançar a cidade de Mopti e depois a capital, Bamaco, onde vivem cerca de 6.000 cidadãos franceses.

O presidente francês verificou primeiro que todas as partes interessadas ainda estavam de acordo com o plano. Ele contava a seu favor com uma resolução do Conselho de Segurança da ONU e tinha feito contato com países africanos, parceiros europeus e os Estados Unidos. Mas, no final, a França interveio sozinha e combateu a coluna rebelde com um ataque de helicópteros militares em que um oficial francês morreu. Os combates não pararam desde então, e reforços estão chegando ao Mali todos os dias.

Romaric Ollo Hien/AFP
Rebeldes islâmicos guardam aeroporto de Kidal, no norte do Mali
Rebeldes islâmicos guardam aeroporto de Kidal, no norte do Mali

Desse modo, François Hollande se encontra na posição assumida com relutância por cada um de seus predecessores, de Charles de Gaulle a Nicolas Sarkozy: de possuir o poder de mudar o rumo da história num país africano com apenas algumas centenas de homens, helicópteros e jatos. Não era exatamente a mudança que ele tinha em mente quando foi eleito.

Mas abster-se de agir quando o presidente malinês enviou um SOS na semana passada teria significado assumir um risco que nenhum presidente francês desejaria. Hollande teria sido visto como responsável pela eventual queda de Bamaco diante de forças radicais islâmicas, levando à potencial desestabilização de toda a região da África ocidental --incluindo o vizinho Níger, principal fonte de urânio para o setor nuclear francês.

Embora a França venha em grande medida ficando em segundo plano na África subsaariana --em comparação com as primeiras décadas da era pós-colonial, quando era claro que ela estava no comando--, o país ainda é poderoso no continente. Se tivesse deixado de tomar uma atitude numa crise como esta, o fato teria sido visto por todos os governos de países africanos francófonos como sinal de que a França teria deixado de ser uma aliada confiável.

Uma dimensão não mencionada da equação é que a França está travando no Mali um conflito que pode ter consequências em seu próprio território. Os líderes franceses temem que uma vitória de fundamentalistas em países que têm vínculos estreitos com a França possa propiciar a radicalização dos jovens muçulmanos franceses. Ainda está presente na mente de todos o caso de Mohammed Merah, o pistoleiro de Toulouse que passou por treinamento no Paquistão e Afeganistão e matou crianças judias em abril do ano passado.

Enfrentando oposição em casa em torno de sua política econômica, o desemprego crescente, controvérsias fiscais e uma enorme reação conservadora contra a legalização do casamento gay, François Hollande deu uma prova de força numa área inesperada: no campo de batalha.

Tradução de Clara Allain

 

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