Apoio militar dos EUA aos curdos joga Erdogan no colo da Rússia

PATRÍCIA CAMPOS MELLO
DE SÃO PAULO

Ao armar abertamente a milícia curda no norte da Síria, os EUA garantem uma ofensiva militar mais eficaz para retomar Raqqa, a "capital" do Estado Islâmico. Mas empurram de vez a Turquia para os braços da Rússia.

As relações entre Washington e Ancara azedaram em julho de 2016 após a tentativa de golpe contra o presidente Recep Tayyip Erdogan. Teorias conspiratórias culpando a CIA espalharam-se pela Turquia, que acusa Washington de dar guarida a Fethullah Gülen, clérigo acusado de tramar o golpe e que mora há anos na Pensilvânia.

A eleição de Donald Trump animou o governo turco, que via no republicano um parceiro mais confiável do que o democrata Barack Obama. Quando Trump telefonou para Erdogan e o parabenizou pela vitória no contestado referendo que lhe deu superpoderes, em 17 de abril, o turco se sentiu encorajado. Muitos países ocidentais haviam criticado o pleito e a escalada autoritária na Turquia. O aval dos EUA era importante.

Erdogan apostou que o próximo passo seria Trump abdicar da ajuda aos curdos iniciada por Obama. Ele fez um lance ousado em 25 de abril —bombardeou as Forças Democráticas da Síria (SDF), lideradas pelos curdos e apoiadas pelos EUA, no norte da Síria. Morreram 18.

Crédito: Núcleo de Imagem/Folhapress

A Turquia ainda tentou convencer os EUA a armar os rebeldes sírios apoiados por Ancara no combate ao EI. Porém o desempenho dessas forças tem sido patético, e elas incluem extremistas islâmicos aliados à Al Qaeda.

Trump deu ouvidos a seus generais, que sempre consideraram a milícia curda a única força eficaz contra o EI. E recorreu mais uma vez a sua política externa "morde e assopra" —depois de chancelar os superpoderes de Erdogan, reforçou o apoio aos curdos.

A maior preocupação de Erdogan é a formação de uma região autônoma curda no norte da Síria e que isso insufle o movimento separatista dos milhões de curdos turcos. O partido curdo que domina a região, PYD, é aliado do PKK, terrorista para Ancara.

Erdogan se reúne no dia 16 com Trump na Casa Branca. Isto é, se não cancelar, depois do "desaforo". Os EUA querem o impossível —manter bom relacionamento com a Turquia, membro da Otan, ao mesmo tempo em que apoiam os inimigos mortais de Erdogan.

O resultado deve ser o estreitamente de relações entre Turquia e Rússia. Os dois países se aproximaram recentemente, contornando o incidente diplomático gerado pela derrubada de um caça russo por forças turcas, no fim de 2015.

O líder turco insiste que não há solução para a guerra na Síria sem a derrubada de Bashar al-Assad, o ditador apoiado pela Rússia. Mas nada impede Erdogan de engolir Assad em troca do apoio da Rússia para impedir a autonomia dos curdos.

O presidente turco tem um grande trunfo —a base de Incirlik, usada pelos americanos para operações no Oriente Médio.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.