Descendentes questionam história e dizem que imigração alemã começou no Rio de Janeiro, não no Sul

Chegada de colonos a Nova Friburgo (RJ) antecedeu fundação de São Leopoldo (RS); experimento, porém, não foi bem-sucedido

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São Paulo

Quem inventou o avião? Enquanto o resto do mundo responde à pergunta citando os Irmãos Wright, nove em cada dez brasileiros provavelmente diriam, sem titubear, que foi Santos Dumont, emendando em seguida argumentos apaixonados para defender o mineiro de ter seu pioneirismo usurpado.

Com a mesma insistência, os descendentes da colônia em Nova Friburgo (RJ) afirmam que a imigração alemã, reconhecida oficialmente pelo Brasil como tendo começado em julho de 1824 com a fundação da cidade de São Leopoldo (RS) e cujo bicentenário é comemorado no próximo dia 25, na verdade teve início dois meses antes, em maio do mesmo ano, com a chegada de alemães à cidade na região serrana do estado do Rio de Janeiro.

Foto antiga retrata uma igreja com torre coberta de videiras com montanhas ao fundo
Foto de 1963 mostra igreja luterana de Nova Friburgo (RJ), a mais antiga da América Latina, fundada em 1824 - Reprodução/Igreja Luterana de Nova Friburgo

"A gente não quer brigar com São Leopoldo", diz Pedro Erthal Sanglard, procurador de Justiça do Ministério Público e autor do livro "As Famílias Erthal-Gradwohl e Nova Friburgo: A Verdadeira Primeira Colônia Alemã do Brasil". "O que a gente quer é corrigir um erro histórico, quer que Friburgo seja reconhecida como primeira a colônia oficial do Brasil independente."

Sanglard, de família suíço-alemã, escreve na obra que dois veleiros vindos do norte do que seria a Alemanha (o país só foi unificado em 1871), o Argus e o Caroline, chegaram ao Rio de Janeiro entre janeiro e abril de 1824 com cerca de 300 colonos e 200 mercenários que serviriam no recém-formado Exército imperial —o principal interesse de dom Pedro 1º à época era em soldados, o que levou o governo brasileiro a financiar a viagem.

Os civis, por sua vez, seguiram em sua maioria para a região serrana com a intenção de fundar uma colônia agrícola no local e se juntar aos suíços que já estavam assentados por ali, chegando a Nova Friburgo em 3 de maio de 1824.

O experimento, entretanto, não foi bem-sucedido: a região era montanhosa e o solo, pedregoso, inviabilizando o cultivo —a situação era tão grave que os colonos encontraram casas erguidas pelos suíços abandonadas. Isso levou muitos alemães a se dispersarem em direção a fazendas de café em Minas Gerais e no município de Cantagalo, no Rio.

"É uma pena que a vasta literatura sobre a imigração alemã no Brasil, como foi produzida quase toda na região Sul, ou ignora Friburgo, ou a descarta porque não deu certo."

A seu favor, a tese friburguense conta com o fato que a cidade abriga a igreja luterana mais antiga da América Latina, fundada há 200 anos pelos imigrantes alemães. "Não faria sentido algum ter a igreja luterana em Friburgo se não houvesse luteranos. Isso é indiscutível", insiste Sanglard.

Entretanto, a reivindicação de Nova Friburgo tem problemas. O mais grave é o fato de que a colônia já existia quando os alemães chegaram lá: os suíços, todos católicos, foram convidados a povoar a região pelo rei português dom João 6º antes da independência do Brasil. É por isso que a cidade marca sua fundação como sendo em 1818, data do decreto real que autorizou a fundação da colônia.

Outro argumento a favor de São Leopoldo é que, no Sul, a colônia foi bem-sucedida, o que não pode ser dito de Nova Friburgo. O historiador Ademar Felipe Fey afirmou em entrevista à DW sobre o veleiro Argus que se convencionou marcar a imigração alemã com a fundação de São Leopoldo porque colônias anteriores, como a de Nova Friburgo e empreendimentos privados na Bahia, "não atenderam às expectativas do Império".

Por fim, a natureza política da região onde hoje atualmente é a Alemanha, no início do século 19 e décadas antes de ser unificada pela Prússia, dificulta a distinção entre suíços e alemães —a identidade nacional que os separaria não estava tão bem formada na época, tratando-se, para todos os efeitos, de pessoas de língua alemã de partes diferentes da Europa. Sem essa distinção, a fundação da colônia em Nova Friburgo seria indiscutivelmente em 1818, antes da independência.

Sanglard, entretanto, aponta a religião dos imigrantes como fator decisivo de distinção, relembrando que os suíços podiam praticar sua religião livremente enquanto os alemães precisavam fazê-lo com uma série de restrições.

Fato é que São Leopoldo foi reconhecido como berço da colonização alemã no Brasil por uma lei federal promulgada em março de 2011 pela presidente Dilma Rousseff (PT). O que não impediu Nova Friburgo de comemorar o bicentenário da imigração este ano —com eventos que começaram, é claro, no dia 3 de maio.

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