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Julgamento da acusadora, não do acusado
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HADLEY FREEMAN
DO "GUARDIAN"
Talvez, um dia, sob a luz impiedosa da percepção tardia, fique claro por que as declarações falsas de uma mulher sobre seu status de imigração, dadas anos atrás, foram consideradas mais pertinentes à acusação de tentativa de estupro do que as lesões vaginais que ela teria sofrido durante o próprio contato sexual.
Para sermos justos, não foi apenas o fato de Nafissatou Diallo ter dado declarações falsas sobre seu passado que prejudicou sua credibilidade a tal ponto que, na segunda-feira, o promotor público de Manhattan decidiu orientar o juiz a arquivar as acusações feitas por Diallo contra Dominique Strauss-Kahn. Houve outros fatores, e não apenas os argumentos apresentados por Ben Stein, redator de discursos de Nixon, segundo o qual economistas não cometem crimes sexuais --ele está equivocado-- e, é claro, pelo amigo de todos os homens famosos vitimados pelo sistema de justiça dos EUA, Bernard-Henri Lévy. Este insistiu --também equivocadamente-- que os "grandes hotéis" sempre mandam "uma brigada de faxineiros" para limpar seus quartos.
Ficou comprovado que Diallo já contou mentiras em sua vida. Nenhuma delas, porém, guarda qualquer relação com sua versão do que aconteceu no quarto 2806 do Sofitel, versão que foi corroborada pelas evidências forenses.
Para começar, a mentira que ela contou sobre seu status de imigração foi que tinha sido currada. Mas a razão pela qual Diallo mentiu então foi que ela imaginou que isso ajudaria a lhe garantir o asilo político. Sua motivação para fazê-lo agora é muito menos clara. A história muito repetida segundo a qual ela teria dito a um amigo no telefone que pretendia arrancar dinheiro de Strauss-Kahn foi desmentida desde então pelo advogado dela, segundo quem a conversa teria sido incorretamente traduzida, e, de qualquer maneira, as ações de Diallo desde então levam a crer que ela seja péssima chantagista. Quando ela abriu mão de seu direito ao anonimato, não apenas proporcionou à defesa mais material para examinar em busca de incoerências, como não ganhou dinheiro algum e incorreu no risco ou a certeza de prejudicar sua reputação pessoal e suas perspectivas de emprego por toda sua vida. Além disso, ela não vai mais poder "tentar aquele velho truque de acusar de estupro" qualquer outro homem desavisado. Ela não refletiu suficientemente sobre esse plano.
A recapitulação que ela fez (sob grande estresse emocional, quer estivesse mentindo ou não) da cronologia precisa do que aconteceu após a alegada agressão foi modificada ligeiramente, e esse fato foi proposto como mais uma prova de que ela não é confiável. Pelo que eu saiba, não existe um manual definitivo sobre como as pessoas se comportam após sofrerem uma agressão sexual.
Um advogado francês disse ao "Guardian" na segunda-feira que "não é que o promotor não acredite nela --ele não acredita que ela seja uma boa vítima". Uma mulher que se embebeda pode ser estuprada. Prostitutas podem ser estupradas. E uma mulher pobre que mentiu no passado pode ser estuprada. Na verdade, com frequência são as mulheres "que não são vítimas boas" que correm o maior risco, porque são as mais vulneráveis e aquelas às quais as pessoas mais provavelmente não darão ouvidos.
O passado de Nafissatou Diallo mostrou-se mais incriminador que o de Dominique Strauss-Kahn, homem cuja reputação infame é de agir com mulheres como predador e que, desde o caso do hotel Sofitel, foi acusado por uma escritora francesa de outra agressão sexual. Em entrevista à revista suíça "l'Illustré", uma ex-amante de Strauss-Kahn disse que a descrição feita por Diallo de como ele a agarrou "me incentivou a acreditar nessa mulher". Mas, em casos de estupro, em muitas ocasiões o princípio da presunção de inocência para o acusado leva à presunção de culpa para o acusador.
Como abortos ou tornar-se mãe solteira, acusações de estupro não são coisa que a maioria das mulheres faz por diversão, encaixando-as entre visitas à manicure e sessões de Pilates, ou, no caso de Diallo, entre faxinas dos banheiros de outras pessoas. O fato de Diallo ter mentido sobre um estupro para conseguir asilo na América, onde desde então foi tão humilhada por um "encontro sexual", é apenas uma das ironias amargas aqui presentes.
Apesar dos esforços do promotor público e da equipe de defesa de Strauss-Kahn, um julgamento aconteceu aqui, sem dúvida --mas foi o julgamento da acusadora, e não do acusado.
Strauss-Kahn desmentiu as alegações, e nunca será sabido o que aconteceu de fato no quarto 2806. O que ficou comprovado, em escala internacional, é que apenas mulheres cuja vida pregressa tenha sido tão protegida quanto a de Rapunzel e que possuam memória digna de computador podem ser estupradas. As restantes não passam de vadias que apresentam lesões vaginais e querem arrancar dinheiro de homens.
Tradução de Clara Allain
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