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Pode apostar: quem canta seus males espanta. É só começar a cantoria que as mazelas de uma turma com mais de 60 anos parecem ir embora —ao menos temporariamente.
O perfil da população brasileira mudará drasticamente a partir de 2030. Pela primeira vez na história, o país terá mais idosos do que crianças. Serão 41,5 milhões (18% da população) de pessoas acima de 60 anos contra 39,2 milhões (17,6%) das que terão de zero a 14 anos. Hoje os idosos somam 29,4 milhões (14,3% da população).
Eles chegam animados como adolescentes para falar sobre um assunto que adoram (e dominam): viajar.
Maria Adélia Cardoso de Oliveira Azevedo fez a própria maquiagem para o casamento dela, na década de 1950, com produtos Helena Rubinstein, marca do início do século 20. "Era o que tinha aqui no Brasil na época", lembra. Hoje, as opções à disposição dela se multiplicaram.
O fundo da gaveta superior de uma escrivaninha numa casa do Jabaquara, zona sul paulistana, esconde uma obra inédita. Está lá um livro, de 120 páginas, ainda sem título. "É a minha história. E as pessoas só vão ler depois que eu não estiver mais aqui para contar", diz a autora, Maria, 78.
Eles eram jovens no auge das comunidades alternativas das décadas de 1960 e 1970. Agora, reúnem-se para um projeto neo-hippie: moradias coletivas de idosos.
Na terceira idade tudo vai despencando, alerta Helô Pinheiro, 71, a musa inspiradora da canção "Garota de Ipanema". "Mas não frequento academia só pela beleza. Faço para ter força para carregar a neta no colo, pegar mala no alto do armário e não depender de ninguém."
O sol ainda não se pôs e elegantes homens e mulheres sobem as escadas dos salões de baile, no União Fraterna, na Água Branca, e no Clube Piratininga, na Santa Cecília, regiões oeste e central de São Paulo. Sozinhos ou acompanhados, seguem para as pistas logo nos primeiros acordes. Os pés revelam a frequência com que lá estão: elas usam um pequeno salto; eles, sapatos de bico fino, envernizados e bicolores. Durante as pausas, leques se agitam —combinando com as bolsas ou os vestidos. E logo recomeça a música, entoada por uma banda, de letra romântica. A pista volta a se preencher com casais.
"Ah, eu procurei por Maria Eleonora, foi por isso que eu não te achei aqui", diz Beatriz Botelho, 69. A senhora vestia uma calça de linho cor da pele, malha azul e um colar de pérolas. Na mão, um smartphone. Ela conversava com sua colega, Leonor Manesco Brait, 73, e tentava adicioná-la em uma rede social usando o aparelho celular.